Descobri cedo, logo no embrião da minha entrada em (novas) funções, que a minha liberdade não está limitada apenas pelos constrangimentos anatómicos da minha condição de pila.
O coiso está agarrado a mim e desconfio que assim se manterá até ao fim dos meus dias, nada a fazer. Porém, esta relação de interdependência não é equilibrada. Sou um nadinha mais pequena do que ele (é tudo muito relativo em termos cósmicos) e ainda bem, ou sempre que eu me entusiasmasse acabávamos os dois no meio do chão.
Este desnível nas dimensões não explica mas ilustra a relação de poder que se estabelece entre o coiso e a sua pila, muito condicionada pela convicção dos coisos agarrados a nós de que não passamos de meros apêndices seus. Isso implica o autoritarismo presente na esmagadora maioria destas ligações complicadas, uma prepotência que impõe uma espécie de lei da selva na zona do matagal.
Ou seja, o coiso agarrado a mim tem a faca e o queijo na mão e acaba por ser tudo feito à maneira dele. Se o Benfica está a marcar uma grande penalidade quando vamos a caminho de uma mijinha lá tenho eu de me aguentar à bronca. Às vezes tenho perante mim uma passarinha completamente disponível para me acolher e o coiso lá em cima a complicar com os problemas e constrangimentos de coiso e acabo em doca seca sem necessidade. Isto tem algum jeito?
Claro que posso estar influenciado pelo último plenário das pilas em que participei, no wc de um centro comercial, e embora perceba que o drama vivido pelas minhas homólogas se reveste de contornos bem mais penosos sou uma piroca solidária e percebo a revolta contra esta espécie de escravatura que a abstinência forçada nos impõe.
Não votei a favor das medidas de luta mais radicais, admito, pois embora entenda a necessidade de nós pilas termos uma palavra a dizer (porque até os coisos sabem que pensamos pela própria cabeça) os meus hábitos de vida levaram-me a propor, em vez da recusa em nos apresentarmos operacionais no posto de trabalho, uma greve de zelo.
Seja como for, ando inquieta com os efeitos da crise nas pilas europeias em geral e nas portuguesas em particular e pelos quais pagamos o preço do tal abuso de poder por parte dos coisos que, de forma paradoxal, até podem menos do que antes.
Por isso nós pilas temos que lutar por uma maior autonomia antes que se perca de todo a fé nos amanhãs que levantam.
Eu sei que isto parece discurso grevista de comuna sindicalista e ateu, mas é só porque o tesão foi-se e essa é uma verdade sem ponta por onde um martelo pilão a possa pregar.
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