"Espantoso mal me atingiu
um dia, quando não esperava;
tudo o que é Lei infringiu,
toda a Razão me fugiu
e hoje, do Amor sou escrava.
Vou entrar em confidências:
resposta para este Amor
fui procurar nas Ciências;
interrogar sapiências
de físico e pensador.
Ai de mim! Para mal meu,
não explicam esta paixão
nem Freud, nem Galileu,
nem Einstein, nem Ptolomeu,
nem mesmo o próprio Platão!
Corri então os poetas,
li romances com afã;
vidas de heróis e ascetas;
teatro de marionetas,
de Molière e de Rostand…
Continuei, pressurosa;
li Voltaire, li Descartes,
Nietzsche, Cervantes, Espinoza…
Qualquer poesia ou prosa,
filosofia ou arte.
Corri todos os museus,
exposições e concertos.
Vi Picasso, admirei Zeus,
ouvi Wolfgang Amadeus -
obras completas e excertos…
Estudei as religiões,
tantas quantas achar pude;
e fiz peregrinações,
jejuns e meditações…
Li a Bíblia e o Talmude.
O Alcorão li também,
e, para salvar a alma,
dei esmolas, fiz o bem;
mas não pude encontrar quem
me restituísse a calma…
Procurei na Biblioteca,
do Mar Morto, os manuscritos;
mas, mesmo virada a Meca,
não me surgiu um Eureka!
da leitura desses escritos…
Estudo a Pedra de Roseta,
já sei Sânscrito e Latim,
vão correndo a ampulheta
e a clépsidra obsoleta
nesta pesquisa sem fim…
Quer de noite, quer de dia,
devoro, afincadamente,
Matemática, Poesia…
História e Antropologia
leio até ficar doente…
Já ninguém me reconhece,
nem pais, nem primos, nem tias.
O tino já me falece,
já tenho a espinha em s
e subi dez dioptrias!
Ao microscópio analiso
as lágrimas que chorei…
E um relatório conciso
cada noite realizo
das penas que suportei.
E, telescópio na mão,
noite alta, no firmamento,
procuro a constelação
que se encontra em conjunção
com Vénus, nesse momento…
Infelizmente, porém,
não ponho fim neste enigma;
não resolvo esta equação;
e, nem por integração,
acho alfa, gama ou sigma…
Desde a Relatividade
à Teoria do Eu,
procurei com ansiedade
descobrir uma Verdade
que me tirasse do breu.
Já vi no televisor
tudo o que é curso em cassette;
sei operetas de cór;
fui para o computador
e liguei-me à Internet…
Apesar desta procura,
continuei ignorante;
de Amor, o mal não tem cura
e eu, que era tão segura,
vivo hoje periclitante…
E, fartas do turbilhão
que me avassala por dentro,
a Cabeça e a Razão
ordenam ao Coração
que mate este sentimento.
O Coração, no entanto,
responde: “Procurai mais!
Apesar desse quebranto
não me tireis deste encanto
em que também navegais…”
E presa nestes dilemas,
vasculho as Enciclopédias,
equaciono problemas,
demonstro leis, teoremas,
leio farsas e tragédias…
Com tanto estudo, afinal,
tirei três licenciaturas:
Quântica Medieval,
Genética Sideral
E Fisio-Literaturas!!!
E, apesar de não achar
para meu mal solução,
vou, para me graduar,
em breve, tentar tirar
Doutoramento em Paixão…
1994"
Leonor Nascimento
Ouçam este poema na voz d'ouro de
Luís Gaspar, no Estúdio Raposa