HenriCartoon
17 julho 2018
«lugar do amor» - Susana Duarte
- Foram dez, os lugares do amor… - pensou ela.
A estação dos comboios foi, de todos, o primeiro e, de todos, o derradeiro. As portas do ocidente abriram-se-lhe, olhos postos no sorriso que anteviu e no encontro que –temia- poderia nunca acontecer. O encontro, afinal, aconteceu, e teceu-se com as mãos que anteciparam os beijos, as madrugadas claras, e o suor dos corpos reencontrados.
Refém de si mesmo, e dos cabelos negros que abraçava, ele libertava anos de procura, ao mesmo tempo que, dos seus olhos, saíam névoas preocupadas: tudo mudara e, no entanto, tudo tinha, ainda, que mudar.
- Este é o segundo dos lugares do amor… - pensava ele, mãos dadas sobre o leito, sorrisos postos no futuro que antevia.
A vida acontece inesperadamente. Confronta. Exige respostas e capacidade de ajustamento. Acontece. Ao acontecer, traz consigo o cheiro de todas as infâncias, o eco de todos os receios, e a inevitabilidade das decisões. Ele intui que, a partir dali, outros serão os lugares do amor. E sabe que, a partir daquele encontro, tudo mudou e, no entanto, tudo terá, ainda, que mudar.
Os dias sucedem-se, e os lugares do amor são vividos com a respiração ofegante de quem quer viver a vida toda nos dias que lhe são dados, um de cada vez, hora a hora, segundo a segundo. E, inevitavelmente, acabam.
O rio, navegante incansável, escorre ali mesmo, entre as margens que o delimitam e são, simultaneamente, todas as suas possibilidades de progresso e caminho. O rio foi o nono lugar do amor. Sobre ele, fluíram marés originadas por aquele encontro. O mundo tinha mudado a lógica das coisas. A inevitabilidade do encontro, também mudara tudo o que conheciam. Os corpos transpiraram marés, por sobre o fluir do rio, e por sobre o fluir daquelas duas vidas.
-Este deveria ser, apenas, um dos lugares do amor-pensavam eles-, mas o derradeiro será aquele que apartará os corpos.
Se sonharam, nessa noite, sonharam com as flores colhidas, após as sementes deixadas na terra, numa sucessão de estações que viveriam juntos. Sonharam, talvez, com as noites, e os dias, e o devir. Sonharam, talvez, que tudo o que ainda tinha que mudar, já estivesse mudado, portas abertas, a ocidente, para todos os lugares do amor. Sonhar os luares do amor era a única forma de não ficar só. a solidão da separação, após ter tocado o amor, é escura, e fria, e dolorosa, e inevitável e, aparentemente, eterna. Escrever a vida, trilhando caminhos sem dar as mãos, depois de conhecer os lugares do amor, é aprender a caminhar numa noite longa e fria. Acordar, pois, é antever a ferida aberta no íntimo do corpo, e descobrir o frio na aparente invencibilidade com que se acorda em cada dia.
Ele, e a metade de si, separar-se-ão naquele que foi o primeiro-e será o derradeiro-lugar do amor, aquele onde se olharam nos olhos e deixaram as lágrimas soltar a noite de chuva que viveram, dias antes, os dois, de mão dada a enfrentar as intempéries-todas-, que acreditaram poder vencer.
Ficarão ligados, para sempre, aos dez lugares do amor. Abraçar-se-ão em cada sonho, em cada recanto de cada palavra. Saberão da inevitabilidade do reencontro. Até lá, reaprenderão a vida, e a morte, e a saudade, e o amor, e a ternura, e a ausência, em cada primavera antecipada, em cada estação que, todavia, os separar ainda.
- O décimo-primeiro lugar do amor, terá que ser aquele onde perdemos as mãos, porque o outro as levou consigo - pensou ela.
Ao mesmo tempo, ele pensava que as mãos que deixou, voltarão a si, no momento em que devolver aquelas que, consigo, em si, levou. Porque sabe, desde já, que se encontrarão no abraço, aquele que será dado no décimo-primeiro, talvez último, lugar do amor.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
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A estação dos comboios foi, de todos, o primeiro e, de todos, o derradeiro. As portas do ocidente abriram-se-lhe, olhos postos no sorriso que anteviu e no encontro que –temia- poderia nunca acontecer. O encontro, afinal, aconteceu, e teceu-se com as mãos que anteciparam os beijos, as madrugadas claras, e o suor dos corpos reencontrados.
Refém de si mesmo, e dos cabelos negros que abraçava, ele libertava anos de procura, ao mesmo tempo que, dos seus olhos, saíam névoas preocupadas: tudo mudara e, no entanto, tudo tinha, ainda, que mudar.
- Este é o segundo dos lugares do amor… - pensava ele, mãos dadas sobre o leito, sorrisos postos no futuro que antevia.
A vida acontece inesperadamente. Confronta. Exige respostas e capacidade de ajustamento. Acontece. Ao acontecer, traz consigo o cheiro de todas as infâncias, o eco de todos os receios, e a inevitabilidade das decisões. Ele intui que, a partir dali, outros serão os lugares do amor. E sabe que, a partir daquele encontro, tudo mudou e, no entanto, tudo terá, ainda, que mudar.
Os dias sucedem-se, e os lugares do amor são vividos com a respiração ofegante de quem quer viver a vida toda nos dias que lhe são dados, um de cada vez, hora a hora, segundo a segundo. E, inevitavelmente, acabam.
O rio, navegante incansável, escorre ali mesmo, entre as margens que o delimitam e são, simultaneamente, todas as suas possibilidades de progresso e caminho. O rio foi o nono lugar do amor. Sobre ele, fluíram marés originadas por aquele encontro. O mundo tinha mudado a lógica das coisas. A inevitabilidade do encontro, também mudara tudo o que conheciam. Os corpos transpiraram marés, por sobre o fluir do rio, e por sobre o fluir daquelas duas vidas.
-Este deveria ser, apenas, um dos lugares do amor-pensavam eles-, mas o derradeiro será aquele que apartará os corpos.
Se sonharam, nessa noite, sonharam com as flores colhidas, após as sementes deixadas na terra, numa sucessão de estações que viveriam juntos. Sonharam, talvez, com as noites, e os dias, e o devir. Sonharam, talvez, que tudo o que ainda tinha que mudar, já estivesse mudado, portas abertas, a ocidente, para todos os lugares do amor. Sonhar os luares do amor era a única forma de não ficar só. a solidão da separação, após ter tocado o amor, é escura, e fria, e dolorosa, e inevitável e, aparentemente, eterna. Escrever a vida, trilhando caminhos sem dar as mãos, depois de conhecer os lugares do amor, é aprender a caminhar numa noite longa e fria. Acordar, pois, é antever a ferida aberta no íntimo do corpo, e descobrir o frio na aparente invencibilidade com que se acorda em cada dia.
Ele, e a metade de si, separar-se-ão naquele que foi o primeiro-e será o derradeiro-lugar do amor, aquele onde se olharam nos olhos e deixaram as lágrimas soltar a noite de chuva que viveram, dias antes, os dois, de mão dada a enfrentar as intempéries-todas-, que acreditaram poder vencer.
Ficarão ligados, para sempre, aos dez lugares do amor. Abraçar-se-ão em cada sonho, em cada recanto de cada palavra. Saberão da inevitabilidade do reencontro. Até lá, reaprenderão a vida, e a morte, e a saudade, e o amor, e a ternura, e a ausência, em cada primavera antecipada, em cada estação que, todavia, os separar ainda.
- O décimo-primeiro lugar do amor, terá que ser aquele onde perdemos as mãos, porque o outro as levou consigo - pensou ela.
Ao mesmo tempo, ele pensava que as mãos que deixou, voltarão a si, no momento em que devolver aquelas que, consigo, em si, levou. Porque sabe, desde já, que se encontrarão no abraço, aquele que será dado no décimo-primeiro, talvez último, lugar do amor.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
Fumo pelos mamilos
Queimador de incenso com a forma de mulher nua. Quando se queima incenso no "cesto" que ela tem à cabeça, sai fumo pelas mamas.
Uma maravilha da técnica, na «sexão» de mecanismos e segredos da minha colecção.
A colecção de arte erótica «a funda São» tem:
> 2.000 livros das temáticas do erotismo e da sexualidade, desde o ano de 1664 até aos nossos dias;
> 4.000 objectos diversos (quadros a óleo e acrílico, desenhos originais, gravuras, jogos, mecanismos e segredos, brinquedos, publicidade, artesanato, peças de design, selos, moedas, postais, calendários, antiguidades, estatuetas em diversos materiais e de diversas proveniências, etc.);
> muitas ideias para actividades complementares, loja e merchandising...
... procura parceiro [M/F]
Quem quiser investir neste projecto, pode contactar-me.
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
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16 julho 2018
Trilogia de contos (1/3) - «A amante do Celestino» - Quito Pereira
O Celestino nasceu no Porto, lá para os lados da Areosa. Era empreiteiro da construção civil e bem - sucedido na vida. Tinha uma vivenda na Avenida da Boavista, com um relvado cheio de candeeiros, que abria de noite e que mais parecia a gare de um aeroporto. Também um lago, onde a estátua de um anjinho com uma bilha às costas, debitava água para um lago, onde nadavam pacificamente alguns peixes coloridos.
A mulher do Celestino era a Ivone, que por muitos anos vendeu peixe no Mercado do Bolhão. Era frontal e quando furiosa, desatinava na sua veia portista e até o São Pedro fechava as Portas do Céu, para não ter que ouvir a lírica da zaragata. Um dia, chegou-lhe aos ouvidos que o Celestino tinha uma amante e foi o fim. Lá em casa, atirou com uma jarra de flores contra um quadro de Gioconda adquirido numa feira em Santo Tirso, deu dois pontapés na mesa estilo Luís XV que comprou numa promoção num armazém de Rio Tinto e, de dedo em riste, fuzilou-o com o seu sotaque nortenho:
- Meu grande sonso, ando eu aqui feita escrava a trabalhar, para tu andares por aí com uma pindérica … ah mas isto não fica assim, que eu quando a bir, eu bou-me a ela e enfio -lhe com um chicharro de quilo e meio nas trombas …
O Celestino, apanhado de surpresa, não vacilou e ripostou:
- Ó mulher, tu és mesmo burra, então um homem com o meu estatuto, com um Mercedes topo de gama, a construir seis prédios na avenida principal de Matosinhos, não havia de ter uma amante, tu não percebes mesmo nada das regras da etiqueta, olha que o nosso vizinho Felisberto, que é homem de grandes negócios aqui no Porto, também tem uma amante …
A Ivone amansou, a matutar nos argumentos do Celestino, mas com a sua curiosidade feminina, não descansou enquanto não soube quem era a concorrente. E um dia, viu-a ao longe, mirou-a, remirou- a, mas sem se aproximar regressou a casa.
Numa tarde de verão, quando a Ivone descia uma rua da Invicta, deu de caras com o vizinho Felisberto de braço dado com a amante. Fez que não o viu, mas olhou bem e com espírito crítico a companheira do Felisberto e à noite, quando o Celestino chegou a casa, deu-lhe um beijo apaixonado e exclamou entusiasmada:
- Celestino, estás de parabéns, olha que a nossa amante é muito mais gira que a do Felisberto!
Quito Pereira
Blog Encontro de Gerações
A mulher do Celestino era a Ivone, que por muitos anos vendeu peixe no Mercado do Bolhão. Era frontal e quando furiosa, desatinava na sua veia portista e até o São Pedro fechava as Portas do Céu, para não ter que ouvir a lírica da zaragata. Um dia, chegou-lhe aos ouvidos que o Celestino tinha uma amante e foi o fim. Lá em casa, atirou com uma jarra de flores contra um quadro de Gioconda adquirido numa feira em Santo Tirso, deu dois pontapés na mesa estilo Luís XV que comprou numa promoção num armazém de Rio Tinto e, de dedo em riste, fuzilou-o com o seu sotaque nortenho:
- Meu grande sonso, ando eu aqui feita escrava a trabalhar, para tu andares por aí com uma pindérica … ah mas isto não fica assim, que eu quando a bir, eu bou-me a ela e enfio -lhe com um chicharro de quilo e meio nas trombas …
O Celestino, apanhado de surpresa, não vacilou e ripostou:
- Ó mulher, tu és mesmo burra, então um homem com o meu estatuto, com um Mercedes topo de gama, a construir seis prédios na avenida principal de Matosinhos, não havia de ter uma amante, tu não percebes mesmo nada das regras da etiqueta, olha que o nosso vizinho Felisberto, que é homem de grandes negócios aqui no Porto, também tem uma amante …
A Ivone amansou, a matutar nos argumentos do Celestino, mas com a sua curiosidade feminina, não descansou enquanto não soube quem era a concorrente. E um dia, viu-a ao longe, mirou-a, remirou- a, mas sem se aproximar regressou a casa.
Numa tarde de verão, quando a Ivone descia uma rua da Invicta, deu de caras com o vizinho Felisberto de braço dado com a amante. Fez que não o viu, mas olhou bem e com espírito crítico a companheira do Felisberto e à noite, quando o Celestino chegou a casa, deu-lhe um beijo apaixonado e exclamou entusiasmada:
- Celestino, estás de parabéns, olha que a nossa amante é muito mais gira que a do Felisberto!
Quito Pereira
Blog Encontro de Gerações
15 julho 2018
«Talvez a morte seja apenas um vidro entre nós» - bagaço amarelo
"Quero estar sempre perto de ti", disse ela. Depois tocou-me com a ponta dos dedos. Nesse preciso momento, do outro lado da rua, uma criança caiu enquanto corria e começou a chorar, um homem pequeno e magro discutia em árabe ao telemóvel e um automóvel estacionou a uns cinco metros de distância de mim.
Apeteceu-me correr para a criança e abraçá-la. Ficar perto dela enquanto a dor da queda lhe permanecesse latejante na carne e na alma, mas o pai antecipou-se.
Fiquei a pensar no que raio será isso de estar perto de alguém. E se a S. estivesse perto de mim a vida toda mas com um vidro a separar-nos? Continuaríamos perto, mas os nossos dedos não se poderiam tocar de novo. Estaríamos suficientemente perto?
O homem pequeno e magro está a discutir com alguém que está longe, mas pela intensidade da voz percebo que é uma discussão olhos nos olhos entre duas pessoas que não se podem ver. Não sei árabe, mas por qualquer motivo adivinho que falam de Amor, talvez entre dois corpos que se apaixonaram no passado e agora não sabem como enfrentar uma vida onde o Amor se esvaiu como se evapora a água da chuva: devagar e sem que ninguém dê conta.
Toco de novo a S. com a ponta dos dedos. O forte calor que se faz sentir em Inglaterra faz-nos suar pelo simples facto de estarmos na rua. O suor é, apesar da vontade de estarmos juntos, a maior prova de que estamos vivos. É sempre a carne que demonstra vida. Não a alma.
A M. partiu, disseram-me. Morreu, para estar mais perto da verdade. Estou triste e mergulhado em mim. Talvez seja apenas isso, penso: deixou de poder suar em dias de Verão como este.
A S. pergunta-me se estou bem. Que sim, respondo.
A criança já deixou de chorar e está ao colo do pai. O homem que discutia em árabe ao telefone calou-se e desapareceu na primeira curva da rua. Uma mulher sai do carro e caminha na minha direcção. Entendo apenas à segunda que me está a perguntar se o museu da Indústria fica perto. Que sim, respondo. Indico-lhe a direcção.
Talvez a morte seja apenas um vidro entre nós. Continuamos perto mas sem nos tocarmos na ponta dos dedos. Se for assim, fica bem!
À MAV. Até sempre!
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
Contigo até ao inferno
Eu e a minha consciência, juntas até ao inferno.
Por imposições sociais, escondo alegrias, escondo desejos e desgostos. Também frustrações.
Haja um sítio onde se fale de bom sexo!
Por imposições sociais, escondo alegrias, escondo desejos e desgostos. Também frustrações.
Haja um sítio onde se fale de bom sexo!
DiciOrdinário - quem leu a primeira edição, adorou
O que irás dizer da segunda, que tem mais 314 entradas novas?
Podes encomendar aqui:
Podes encomendar aqui:
(com direito a dedicatória personalizada pela São Rosas)
14 julho 2018
«existe» - Susana Duarte
existe a mulher,
e existe o homem.
entre eles, a demora
e o abraço suspenso
onde os olhares
não se encontram.
existe a mulher,
e existe o homem.
da sua paixão,
sabem as paredes
que testemunharam
o encontro breve
das mãos.
existe uma mulher,
e existe um homem,
concretos e indefinidos,
incongruentes
como os beijos,
testemunhas
da sua própria morte,
sempre que a mulher,
e o homem,
se fazem algaço
nas praias de um tempo
que não existe.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
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e existe o homem.
entre eles, a demora
e o abraço suspenso
onde os olhares
não se encontram.
existe a mulher,
e existe o homem.
da sua paixão,
sabem as paredes
que testemunharam
o encontro breve
das mãos.
existe uma mulher,
e existe um homem,
concretos e indefinidos,
incongruentes
como os beijos,
testemunhas
da sua própria morte,
sempre que a mulher,
e o homem,
se fazem algaço
nas praias de um tempo
que não existe.
Susana Duarte
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