O Celestino nasceu no Porto, lá para os lados da Areosa. Era empreiteiro da construção civil e bem - sucedido na vida. Tinha uma vivenda na Avenida da Boavista, com um relvado cheio de candeeiros, que abria de noite e que mais parecia a gare de um aeroporto. Também um lago, onde a estátua de um anjinho com uma bilha às costas, debitava água para um lago, onde nadavam pacificamente alguns peixes coloridos.
A mulher do Celestino era a Ivone, que por muitos anos vendeu peixe no Mercado do Bolhão. Era frontal e quando furiosa, desatinava na sua veia portista e até o São Pedro fechava as Portas do Céu, para não ter que ouvir a lírica da zaragata. Um dia, chegou-lhe aos ouvidos que o Celestino tinha uma amante e foi o fim. Lá em casa, atirou com uma jarra de flores contra um quadro de Gioconda adquirido numa feira em Santo Tirso, deu dois pontapés na mesa estilo Luís XV que comprou numa promoção num armazém de Rio Tinto e, de dedo em riste, fuzilou-o com o seu sotaque nortenho:
- Meu grande sonso, ando eu aqui feita escrava a trabalhar, para tu andares por aí com uma pindérica … ah mas isto não fica assim, que eu quando a bir, eu bou-me a ela e enfio -lhe com um chicharro de quilo e meio nas trombas …
O Celestino, apanhado de surpresa, não vacilou e ripostou:
- Ó mulher, tu és mesmo burra, então um homem com o meu estatuto, com um Mercedes topo de gama, a construir seis prédios na avenida principal de Matosinhos, não havia de ter uma amante, tu não percebes mesmo nada das regras da etiqueta, olha que o nosso vizinho Felisberto, que é homem de grandes negócios aqui no Porto, também tem uma amante …
A Ivone amansou, a matutar nos argumentos do Celestino, mas com a sua curiosidade feminina, não descansou enquanto não soube quem era a concorrente. E um dia, viu-a ao longe, mirou-a, remirou- a, mas sem se aproximar regressou a casa.
Numa tarde de verão, quando a Ivone descia uma rua da Invicta, deu de caras com o vizinho Felisberto de braço dado com a amante. Fez que não o viu, mas olhou bem e com espírito crítico a companheira do Felisberto e à noite, quando o Celestino chegou a casa, deu-lhe um beijo apaixonado e exclamou entusiasmada:
- Celestino, estás de parabéns, olha que a nossa amante é muito mais gira que a do Felisberto!
Quito Pereira
Blog Encontro de Gerações
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