28 maio 2010

Desgostos e Doces de Colher

– Sabe o que é que ele me disse, doutor?
Acenei que não com a cabeça.
– Que era de ferro, doutor. – A mulher soltou um riso escarninho. – De ferro! – exclamou, fechando-se num carão de desgosto e ressentimento. – E, afinal, sabe o que ele era?
Repeti o aceno.
– Gelatina. – A mulher imitou o meu aceno de cabeça. – Ele era feito de gelatina, doutor. De gelatina.
– Quem o vê… – disse eu, lentamente à espera da interrupção.
– Sim, isso é verdade, doutor – avançou a mulher, tal como eu esperava. – Quem o vê com aqueles fatos e cara de mau e aquele ar másculo de quem leva tudo à frente…
– Sempre firme e hirto…
– Engana bem, engana – concluiu, fungando. – A mim enganou-me, doutor. A mim enganou-me bem!
Levantei-me e rodeei a secretária, agarrei uma caixa de lenços de papel que se encontrava sobre um móvel encostado à parede e estendi-a na sua direcção. Ela retirou três pedaços de papel e assoou-se ruidosamente. Admirei disfarçadamente os movimentos que se produziram dentro do apertado decote, que a mulher usava como um expositor, e, depois de devolver a caixa ao seu primitivo lugar, tornei a sentar-me.
– Esta altura é péssima para as alergias – justificou-se a mulher, com os papéis ranhosos na mão.
– É – concordei, segurando no cesto de papéis para ela depositar os lenços, o que fez.
– Homem de Ferro – disse ela, sarcástica. – Ainda gostava de saber como é que lhe chamam Homem de Ferro – continuou no mesmo tom. – De certeza que nunca gramaram com ele em cima, esparramado, a mexer-se em câmara lenta, para cima e para baixo, tão firme como uma gelatina, tão duro como um pudim… Homem de Ferro!... Bah!... – A mulher fez uma pausa para ganhar fôlego. – Mas a culpa é minha, doutor, só minha! Eu, eu mais do que ninguém, já devia estar à espera, não acha? Eu já devia ter aprendido! Quem é que me mandou a mim ser burra… Aaaaah… – parodiou tom e gestos de gratidão divina, erguendo os olhos para o tecto e levantando as mãos e agitando-as ligeiramente. – Aaaah! O homem é de ferro, é o Homem de Ferro!... Burra! Que burra, doutor!... Homem de Ferro, ah! Tretas!... Mas a culpa é minha…
– Sim… – admiti, brincando com a esferográfica para me distrair dos movimentos ondulantes das comprimidas mamas que pareciam querer saltar na minha direcção. – É verdade que a sua anterior experiência lhe podia ter servido de aviso mas… mas… – Interrompi-me, distraído pelas consequências estéticas da inspiração profunda que se seguiu ao fim do encenado agradecimento sacro.
– Mas? – perguntou a mulher, expectante da minha conclusão.
– Ahn?
– A minha anterior experiência podia ter-me servido de aviso mas? – repetiu, vendo o meu mudo atabalhoamento.
– Ah! – Recuperei as minhas faculdades e voltei à esferográfica. – Quero dizer: podemos aprender com os erros anteriores mas nunca podemos saber que as coisas se vão repetir com outra pessoa só por terem ambos o mesmo ramo de actividade… Temos de dar o benefício da dúvida e foi isso que a senhora fez.
– Hum! – discordou a mulher. – Eu devia ter calculado, doutor!... Qual benefício da dúvida qual carapuça… Isso é conversa de psiquiatra, doutor!... De psicoterapeuta!... A culpa é minha e ponto final, se com o outro já tinha sido o que foi…
Aceitei com um trejeito o argumento da paciente: ela tinha razão.
– Sabe o que eu lhe digo, doutor?
Acenei que não.
– Posso ser franca?
Acenei que sim, ainda que o lamentasse.
– O doutor desculpe-me mas isto não me sai da cabeça e… – fez uma ligeira pausa e preveniu: – E não é nada contra os pais deles. – A mulher olhou para a porta do gabinete para confirmar que estava fechada e voltando a fixar-me disse com ar de quem meditou no assunto: – Que fodas tão mal empregues, senhor doutor… O tempo que os pais deles perderam a fazê-los mais valia terem estado a… a… Nem sei o quê, doutor, nem sei o quê… Qualquer bodega que lhes tivesse ocupado aqueles trinta segundos tinha sido melhor empregue. Muito melhor…
– Às vezes as coisas não correm bem entre as pessoas – disse, sem convicção, olhando disfarçadamente para o relógio.
– Já está na hora? – perguntou a paciente, verificando o seu relógio de pulso.
– Já – informei com ensaiado pesar. – Para a semana continuamos.
A mulher expirou pelo nariz, ainda desimpedido, levantou-se, colocou as mãos sobre a secretária, olhou-me nos olhos e concluiu desanimada:
– Só comigo, doutor. Já viu bem a minha pouca sorte?... O Super-Homem foi o que foi, um fiasco do pior. Que pãozinho sem sal!... Agora, aparece-me o Homem de Ferro, todo cheio de basófia, que faz e acontece, e, no fim, vai-se ver… Gelatina, doutor, o homem devia chamar-se era Homem-Gelatina. Gelatina e pouco fresca!... Não tenho mesmo sorte nenhuma!
A mulher aceitou o meu aceno concordante com um sorriso e quando ia a sair, já depois das despedidas, perguntou-me com um brilho no olhar:
– Sabe com quem é que eu vou jantar no Sábado?
– Com o Batman? – lancei.
– Bolas! Nem pensar – respondeu, mostrando-me a língua com ar enjoado.
Sorrindo, a mulher abriu a porta, saiu e fechou-a.
Esperou um momento, reabriu a porta cerca de um palmo, espreitou para me encontrar no mesmo sítio, a olhar para ela, e anunciou, sorrindo e piscando-me o olho, antes de voltar a fechar a porta:
– Sábado vou jantar com o Homem-Queque!

Túlipa

Se o teu sexo fosse uma flor
eu quereria que fosse uma túlipa,
como um cálice de licor
e tivesse várias cores:
amarelo, azul, vermelho, preto.

Se fosse uma flor o teu sexo
poderia ser uma túlipa amarela,
com o sabor amendoado
do amargo limão
e o aroma inconfundível
do anis subindo em mim.

Seria o sexo perdido
- na minha boca -
ávido da minha fome,
por todas as vezes
das vezes minhas.

Foto e poesia de Paula Raposo

Quem quer dar uma mãozinha ao Aalberto Montanelas?

Recebi esta mensagem do Aalberto Montanelas no Facebook:


A mensagem



A foto

Como a página dele no facebook é pública, a minha resposta também é: Aalberto, eu sou lésbica e por isso decerto compreenderás que não quero "sentilo". Mas se houver algum membro ou membrana que queira verificar a tua alavanca de velocidades, tem aqui o teu contacto. Sem desprimor para o resto da malta, recomendo-te o Nelo. Afinal, depois da experiência com o Baldé, o Nelo nem vai "sentilo".

Padre, pequei!



HenriCartoon

27 maio 2010

Da prostituta ao prostituidor, as duas faces da mesma moeda

A propósito de comentários e de comentários a comentários, muito estimulantes e dignos de interesse, numa amena cavaqueira lá «mais para baixo», alguns comentários mais, porque o tema é cíclico e inesgotável:

A(o) prostituta(o) - que designação rebuscada... - e o(a) prostituidor(a) são as duas faces da mesma moeda. Assim posto isto, lapalicianamente, tudo fica obscuramente claro. A saber: ele há-as por todos os motivos e para todos os gostos... e, quanto a eles, eles, também. É a Humanidade, senhores, e está tudo dito. Claro que estou muito de acordo quando aqui se introduz, na conversa, a questão do dinheiro envolvido, como é óbvio.

Agora, quanto à necessidade da dar a queca marginal - ou alguma das suas envolventes - e de haver quem, pelo tal dinheirinho, esteja disposta(o) a levá-la – ou a alinhar nas tais envolvências -, isso parece-me que tem mais a ver com o que alguns estudiosos da matéria chamam «miséria sexual».

Na verdade, parece-me historicamente admissível e de fácil prova que a necessidade de vender (ou comprar) o corpo por dinheiro se prende com a invenção do dito dinheiro, nem que seja na sua forma mais elementar da troca directa de bens ou, se se quiser ser mais técnico, de mercadorias.

Tal será coincidente com o declínio social do matriarcado e o ascendente do patriarcado, que culmina na subjugação total da mulher aos prevalecentes direitos do mais forte. Mais forte aqui, principalmente, à luz do conceito daquele que detém ascendente sobre os meios de produção.

Do esvaziamento dessa importância social da mulher nas sociedades à criação do conceito mulher-objecto terá sido pequeno passo. Da mulher subjugada à mulher prostituída, mero objecto de prazer, passo mais pequeno, ainda.

Depois, no passo seguinte, as sociedades organizadas vieram a impor os seus limites ou regras a este jogo, eivadas de mais ou menos preconceito e hipocrisia, porquanto assumiu, ao mesmo tempo, condescendências várias a par de mais ou menos veladas proibições, situação que atinge o seu esplendor com a dominação, no dito mundo ocidental, da religião católica apostólica romana, suprema defensora do incontornável princípio do «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

Para manter aparências e não deixar que o deboche abalasse os pilares civilizacionais, vem de lá tanta repressão, tanta contenção, tanta pressão social, tanta pomba assassinada - como o poeta diria -, que se desvirtuou e perverteu assim, através desses jogos temíveis de dominação, o acto sexual livre e mutuamente consentido.

Ou por laços do sento matrimónio ou por descabelado comércio. Fora disto, as morais públicas não vêm o sexo com bons olhos.

Porque o ser livre é, também, o ser sexualmente satisfeito. Ou, dito de outra maneira, a repressão sexual faz parte das rédeas do(s) poder(es), como quaisquer outras. Haverá algum conceito mais subversivo do que este?

Vista por este prisma, a prostituição passa a ser, meramente, a infracção, hipócrita e cirurgicamente permitida pelo(s) poder(es) instituídos, para «equilibrar» a tensão gerada pela repressão sexual social. quando esta levada a extremos potencie excessivos danos sociais, o que estragaria o «arranjinho», saindo pior e emenda que o soneto, como sói dizer-se.

A prostituição, então, como válvula de escape de tensões sociais geradas pela repressão sexual. Enfim, nada disto é novidade. Muitos outros, mais e melhor do que eu, o têm dito. Estude-se, como boa referência, a obra de Wilhelm Reich, por exemplo.

«Felizmente», com a emancipação progressiva e inegável da Mulher, nos nossos dias esbateu-se o conceito de que a prostituição é mais uma das coisas que cabe em exclusividade às mulheres e, agora, existe prostituição para todos os gostos e enlaces possíveis. Mas continua a estar subjacente o conceito da dominação de um ser humano por outro, por via do poder económico

Mas, uma vez mais e sempre, ela fica a dever-se à tal «miséria sexual», onde apenas muito poucos – os detentores do poder, geralmente económico -, conseguem dar livre curso, com razoável desinibição, aos seus impulsos sexuais, sem que a sociedade, à volta, desate logo aos gritos...

Como me parece óbvio, havendo dinheiro, do banco de trás do carro, ao apartamento, passando pelo quartinho de hotel mais ou menos rasca, até ao desmancho de algum descuido, sob observação oficial ou não oficialmente reconhecida, a tal hipocrisia atrás referida faz descer o seu pudico véu social sobre a coisa... e passa a estar tudo bem e mais ou menos socialmente aceite.

Em seguida, da fome de comer à fome de jóias, por outro lado, é tudo um problema de circunstância e de escala, civilizacional, dir-se-ia.

Quanto ao mais, bem aventurado o homem que, no seu desespero de identidade aquando do recurso a uma prostituta, consegue fruir e fazer fruir. Dele será, porventura, o reino do Olimpo.

Lateralmente, refiro apenas uma curiosidade que me foi anunciada em recente palestra a que assisti e que registei com curiosidade:

- as prostitutas com mais procura (e mais dispendiosas) são, nos dias que vão correndo, as chamadas «she-male». Pelos vistos, constituem «elas», para os seus clientes, o melhor dos mundos – onde, também, os fétiches ou necessidades primárias de dominação se tornam, porventura, mais patentes.

«Comer» uma prostituta com pénis «desculpabiliza» infidelidades, aguça o carácter de dominação sobre um seu igual, sublima homosexualidades... Enfim, uma panóplia de potencialidades que reflectem com maior clareza a perversão social que é ter de pagar para se ter aquilo que devia ser, porventura, a manifestação de afecto e confiança supremos entre seres da mesma espécie.

- Jorge Castro

Carolina: conto para as semi-pessoas

Porque tu não conheces a palavra. Porque tu não conheces a palavra com que encheste os meus braços. Porque tu não conheces a palavra - como poderias? - que depois te devolvi. Porque tu não conheces; porque se tu conhecesses não falavas em grãos de pó; como se fala em grãos de pó perante um castelo inteiro que imaginaste, que se diz teu e cresce num peito nu? Porque tu não sabes o que é.

Porque quando é já não é uma palavra: é a palavra e a palavra não se acalma nas amarras das tuas ponderações, não se amordaça no pano dos teus impossíveis, não se detém nas cordas das tuas fragilidades, não pára nos muros erguidos das pedras quebradas dos teus obstáculos - é, somente é, e nada mais é mais.

É por isso que não mais te falo da palavra; percebo, agora, que não sabes sequer do que estou a falar. Quer queiras ou não, somos seres humanos e nenhum caminho é caminho se nos perdermos do fundamental; é pelo fundamental que não nos extinguimos enquanto espécie e é na ausência dele que alguém corre o risco de se extinguir por dentro, mesmo que esteja muito distraído, especialmente se estiver muito distraído. E é a palavra que te faz pensar em mim - também em momentos de distracção, quando adormece a pele cinzenta que te endurece - sem perceberes porquê.

Sim, eu sou dura; mas tu és somente uma semi-pessoa e eu preciso de uma pessoa inteira; ninguém aos pedaços se sabe dar completo.



Pronta...



26 maio 2010

homosseXuais no Estado Novo

O estudo é da jornalista São José Almeida e defende que a nossa sociedade ainda é homofóbica.
Pode ler-se no site da TSF:
«O livro “ Homossexuais no Estado Novo”, que analisa o período que vai de 1912 a 1982, surge depois de vários meses de pesquisa e conta com dezenas de depoimentos.
Décadas passadas e com a chegada do regime democrático muito mudou. A jornalista São José Almeida considera positiva a lei que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas diz que a sociedade portuguesa ainda é homofóbica.
O livro “Homossexuais no Estado Novo” é publicado pela Sextante editora»
Para comprar, ler, reflectir e colocar na prateleira (salvo seja), lado a lado com o diciOrdinário.


A parte mais difícil do casamento gay



Pedro K. - blog Bico Calado

Arregaça pum pum arregaça


XIV . – É preciso ter grande cuidado na limpeza das partes e do ânus; lavar umas e outro, com água e sabão, não só quando se toma banho, mas, pelo menos, uma vez por dia. Quando não houver lavatórios apropriados pode servir uma toalha molhada. Os furúnculos das nádegas, tão frequentes, sobretudo nos que montam a cavalo, tem quási sempre por causa a falta de asseio. É preciso, quando se lavam as partes genitais, arregaçar a pele do membro, para descobrir e lavar, ou limpar com uma toalha molhada, o rêgo que separa a cabeça do membro da pelle que a cobre e onde se junta uma substância esbranquiçada, de mau cheiro, cuja demora produz inflamações e feridas, dispondo assim para as doenças venéreas. Sendo asseado, o soldado corre muito menos risco de apanhar males de mulheres.

Ministério da Guerra
CARTILHA DE HIGIENE
Lisboa: Imprensa Nacional, 1912 - p. 14

Desfeito

Vais soprar areia. Tu tens vento, vento
que sopra e grita e pede e tu, tu tens
vento que sopra nas arcadas do meu peito.
Vais soprar areia nos dedos e vais e vens
e eu encolho as mãos na cegueira do tacto;
por baixo das arcadas deixas as mãos reféns
do vento, do vento no peito e o peito rarefeito.
Vais soprar areia e nos cabelos miragens
dos dedos do vento que de vento és desfeito.

25 maio 2010

Esperança

Já faltou mais.
Claro que sim.
Esperança - lugar comum -,
ainda resta
neste espaço exíguo
em que a acalento.

Mas já faltou mais.
A esperança tem duração limitada.
A minha, esvai-se
em todos os copos
que não bebi...

Foto e poesia de Paula Raposo

Roubar aos ricos...



Alívio


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