27 maio 2010

Da prostituta ao prostituidor, as duas faces da mesma moeda

A propósito de comentários e de comentários a comentários, muito estimulantes e dignos de interesse, numa amena cavaqueira lá «mais para baixo», alguns comentários mais, porque o tema é cíclico e inesgotável:

A(o) prostituta(o) - que designação rebuscada... - e o(a) prostituidor(a) são as duas faces da mesma moeda. Assim posto isto, lapalicianamente, tudo fica obscuramente claro. A saber: ele há-as por todos os motivos e para todos os gostos... e, quanto a eles, eles, também. É a Humanidade, senhores, e está tudo dito. Claro que estou muito de acordo quando aqui se introduz, na conversa, a questão do dinheiro envolvido, como é óbvio.

Agora, quanto à necessidade da dar a queca marginal - ou alguma das suas envolventes - e de haver quem, pelo tal dinheirinho, esteja disposta(o) a levá-la – ou a alinhar nas tais envolvências -, isso parece-me que tem mais a ver com o que alguns estudiosos da matéria chamam «miséria sexual».

Na verdade, parece-me historicamente admissível e de fácil prova que a necessidade de vender (ou comprar) o corpo por dinheiro se prende com a invenção do dito dinheiro, nem que seja na sua forma mais elementar da troca directa de bens ou, se se quiser ser mais técnico, de mercadorias.

Tal será coincidente com o declínio social do matriarcado e o ascendente do patriarcado, que culmina na subjugação total da mulher aos prevalecentes direitos do mais forte. Mais forte aqui, principalmente, à luz do conceito daquele que detém ascendente sobre os meios de produção.

Do esvaziamento dessa importância social da mulher nas sociedades à criação do conceito mulher-objecto terá sido pequeno passo. Da mulher subjugada à mulher prostituída, mero objecto de prazer, passo mais pequeno, ainda.

Depois, no passo seguinte, as sociedades organizadas vieram a impor os seus limites ou regras a este jogo, eivadas de mais ou menos preconceito e hipocrisia, porquanto assumiu, ao mesmo tempo, condescendências várias a par de mais ou menos veladas proibições, situação que atinge o seu esplendor com a dominação, no dito mundo ocidental, da religião católica apostólica romana, suprema defensora do incontornável princípio do «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

Para manter aparências e não deixar que o deboche abalasse os pilares civilizacionais, vem de lá tanta repressão, tanta contenção, tanta pressão social, tanta pomba assassinada - como o poeta diria -, que se desvirtuou e perverteu assim, através desses jogos temíveis de dominação, o acto sexual livre e mutuamente consentido.

Ou por laços do sento matrimónio ou por descabelado comércio. Fora disto, as morais públicas não vêm o sexo com bons olhos.

Porque o ser livre é, também, o ser sexualmente satisfeito. Ou, dito de outra maneira, a repressão sexual faz parte das rédeas do(s) poder(es), como quaisquer outras. Haverá algum conceito mais subversivo do que este?

Vista por este prisma, a prostituição passa a ser, meramente, a infracção, hipócrita e cirurgicamente permitida pelo(s) poder(es) instituídos, para «equilibrar» a tensão gerada pela repressão sexual social. quando esta levada a extremos potencie excessivos danos sociais, o que estragaria o «arranjinho», saindo pior e emenda que o soneto, como sói dizer-se.

A prostituição, então, como válvula de escape de tensões sociais geradas pela repressão sexual. Enfim, nada disto é novidade. Muitos outros, mais e melhor do que eu, o têm dito. Estude-se, como boa referência, a obra de Wilhelm Reich, por exemplo.

«Felizmente», com a emancipação progressiva e inegável da Mulher, nos nossos dias esbateu-se o conceito de que a prostituição é mais uma das coisas que cabe em exclusividade às mulheres e, agora, existe prostituição para todos os gostos e enlaces possíveis. Mas continua a estar subjacente o conceito da dominação de um ser humano por outro, por via do poder económico

Mas, uma vez mais e sempre, ela fica a dever-se à tal «miséria sexual», onde apenas muito poucos – os detentores do poder, geralmente económico -, conseguem dar livre curso, com razoável desinibição, aos seus impulsos sexuais, sem que a sociedade, à volta, desate logo aos gritos...

Como me parece óbvio, havendo dinheiro, do banco de trás do carro, ao apartamento, passando pelo quartinho de hotel mais ou menos rasca, até ao desmancho de algum descuido, sob observação oficial ou não oficialmente reconhecida, a tal hipocrisia atrás referida faz descer o seu pudico véu social sobre a coisa... e passa a estar tudo bem e mais ou menos socialmente aceite.

Em seguida, da fome de comer à fome de jóias, por outro lado, é tudo um problema de circunstância e de escala, civilizacional, dir-se-ia.

Quanto ao mais, bem aventurado o homem que, no seu desespero de identidade aquando do recurso a uma prostituta, consegue fruir e fazer fruir. Dele será, porventura, o reino do Olimpo.

Lateralmente, refiro apenas uma curiosidade que me foi anunciada em recente palestra a que assisti e que registei com curiosidade:

- as prostitutas com mais procura (e mais dispendiosas) são, nos dias que vão correndo, as chamadas «she-male». Pelos vistos, constituem «elas», para os seus clientes, o melhor dos mundos – onde, também, os fétiches ou necessidades primárias de dominação se tornam, porventura, mais patentes.

«Comer» uma prostituta com pénis «desculpabiliza» infidelidades, aguça o carácter de dominação sobre um seu igual, sublima homosexualidades... Enfim, uma panóplia de potencialidades que reflectem com maior clareza a perversão social que é ter de pagar para se ter aquilo que devia ser, porventura, a manifestação de afecto e confiança supremos entre seres da mesma espécie.

- Jorge Castro

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