27 maio 2010

Carolina: conto para as semi-pessoas

Porque tu não conheces a palavra. Porque tu não conheces a palavra com que encheste os meus braços. Porque tu não conheces a palavra - como poderias? - que depois te devolvi. Porque tu não conheces; porque se tu conhecesses não falavas em grãos de pó; como se fala em grãos de pó perante um castelo inteiro que imaginaste, que se diz teu e cresce num peito nu? Porque tu não sabes o que é.

Porque quando é já não é uma palavra: é a palavra e a palavra não se acalma nas amarras das tuas ponderações, não se amordaça no pano dos teus impossíveis, não se detém nas cordas das tuas fragilidades, não pára nos muros erguidos das pedras quebradas dos teus obstáculos - é, somente é, e nada mais é mais.

É por isso que não mais te falo da palavra; percebo, agora, que não sabes sequer do que estou a falar. Quer queiras ou não, somos seres humanos e nenhum caminho é caminho se nos perdermos do fundamental; é pelo fundamental que não nos extinguimos enquanto espécie e é na ausência dele que alguém corre o risco de se extinguir por dentro, mesmo que esteja muito distraído, especialmente se estiver muito distraído. E é a palavra que te faz pensar em mim - também em momentos de distracção, quando adormece a pele cinzenta que te endurece - sem perceberes porquê.

Sim, eu sou dura; mas tu és somente uma semi-pessoa e eu preciso de uma pessoa inteira; ninguém aos pedaços se sabe dar completo.



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