10 outubro 2010

Nascer num corpo que não se reconhece ou encenar uma identidade?


cliquem na imagem para ampliar a mesma, sachavore!

Um dia, eu perdi o bater do meu coração.

Um dia, eu perdi o bater do meu coração.

Ele acordava, real, cheio, o batimento acelerava, nítido, ensurdecedor, quebrava o peito e fazia-se sentir lá fora, nos dias tolos, tolos, ternos. Depois, os dias passavam, percebia-se bater cada vez mais contra as paredes, contra a ausência de resposta que não lhe dava o impulso necessário para continuar; estupefacto, pálido, começava, lentamente, a abrandar. E voltava a despertar. E voltava a abrandar. Cada memória era cópia exacta da anterior, equação interminável que se recusava a retirar do peito. Um dia, abrandou até parar. E eu perdi o bater do meu coração.

Foi contigo, sim. Agora é azul, pasmado numa forma perfeita, inútil, varado de silêncio. Foi contigo, sim; tão depressa bateu que abrandar foi caminho longo e irreversível; talvez o caminho mais longo de todos, o mais demorado, o mais deserto. Fez frio, fez tanto frio no dia em que perdi o bater do meu coração; perdi-nos e já não nos encontro; perdi-nos, sim, mas ainda o tenho, está quieto, imóvel, mas está aqui.

Um dia, eu perdi o bater do meu coração mas não perdi o coração.

«Há males que vêm por bem» - por Rui Felício


Quando abriu o restaurante “Combinado”, perto da Estação Nova, a modernidade da sua decoração, a novidade de uma ementa catalogada por números, o espaço bem iluminado junto ao balcão e, numa penumbra mais íntima, algumas acolhedoras mesas ao fundo da sala, tornou-se, durante alguns anos, a coqueluche de Coimbra.
Uma tarde, encontrei ali uma colega que estava sentada numa dessas mesas. Ao ver-me entrar, fez-me sinal e chamou-me.
Cumprimentei-a, poisei os livros e a capa em cima de uma cadeira e sentei-me ao seu lado, num daqueles bancos corridos almofadados que contornavam a mesa, fixos à parede.
Conhecíamo-nos já há bastante tempo, mas, salvo um ou outro baile em que, esporadicamente, tínhamos dançado juntos, as nossas conversas eram sempre triviais e fugidias antes de entrarmos para a sala de aula.
Naquela tarde, a superficialidade da nossa conversa em nada diferiu das vezes anteriores, até porque eu estava com pressa. Tinha ido ali apenas beber um fino para depois seguir até ao Bairro. A verdade é que, daí para a frente, nada voltaria a ser como dantes...
Um quarto de hora depois, disse-lhe que tinha de ir e levantei-me. Peguei nos livros, mas ao virar-me, deixei que, inadvertidamente, a capa entornasse na sua blusa o copo de leite com chocolate que ela segurava entre as mãos.
Pressuroso, prontifiquei-me a ajudá-la a limpar a nódoa castanha que ia alastrando pelo tecido da fina blusa branca, deixando transparecer o desenho do seio.
Ela, simpaticamente, lá foi dizendo que são coisas que acontecem, que não me preocupasse, mas eu bem via o seu ar incomodado.
Pedi ao empregado um pano embebido em água morna e, delicadamente, fui esfregando a nódoa, na vã esperança de a fazer desaparecer. Dei por mim a sentir um estranho arrepio de cada vez que lhe tocava a região do seio com a ponta do pano. As sensações que me iam invadindo, faziam-me esquecer a nódoa, o coração galopava, a respiração acelerava e, por vezes, deixava escorregar os dedos, descontrolado, por baixo do pano húmido.
Os contactos directos dos dedos, intervalados com os do pano, aumentava-me o desejo de continuar a tocar-lhe, por tempo indefinido, sob o pretexto de estar a tentar remover a nódoa.
Não vi da parte dela, nenhuma resistência ou agastamento, nem sequer um olhar reprovador ou de aviso. Mas interpretei isso como sendo uma manifestação de confiança na minha boa educação e na minha seriedade. Eu é que devia ser capaz de afastar, e não o estava a conseguir, os pensamentos que, estupidamente, me assaltavam e me toldavam o raciocínio.
A custo, pus um travão naquela caricata situação. Despedimo-nos, finalmente, e cada um foi à sua vida. No caminho para o Bairro, recriminava-me por ter perdido a compostura, mas ao mesmo tempo, revivia com prazer aqueles inesperados momentos. Enfim, dizia para comigo: O que estava feito, feito estava!
Dias mais tarde, reencontrámo-nos num baile nos Twist-Pópó em Montes Claros. Dançámos inúmeras vezes, bebemos “cup”, falámos dos professores, de política, sei lá!...
Inopinadamente, no meio de uma dança ao som da canção “Sans toi, ma vie”, do Adamo, em que os nossos corpos colados num só, se movimentavam lenta e cadenciadamente, ela quebrou o silêncio e os meus pensamentos, dizendo-me:
- No outro dia, ao menos podias ter-me pedido desculpa. Nunca me disseste sequer que lamentavas o acidente do copo entornado! Nem parece teu!
- Não to disse, nem to direi. Porque, de facto, eu não lamentei o que aconteceu. Foi sem querer, foi um mal, mas há males que vêm por bem... – respondi eu.
- Nisso tens razão, Rui! Também eu lamentei ao principio, mas depois acabei por gostar do que aconteceu! – disse ela baixinho, puxando-me mais para si.

Rui Felício
Blog «Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos»

A Trish ensina como encontrar o soutien perfeito...



... e ensina um truque, como bónus:

Afinal há mesmo buraco errado...

crica para visitares a página John & John de d!o

09 outubro 2010

Se muitos votarem a favor desta ideia, a Google pode implementá-la

O blog a funda São é um dos milhares de blogs de todo o mundo dedicados ao erotismo que usam o Blogger (plataforma da Google) e não aparecem nas consultas do Google.
Faço parte de um grupo desses blogs que tenta há muito tempo convencer a Google a arranjar alternativas ao ecrã de "conteúdo para adultos", sem sucesso até agora, pois a Google alega problemas técnicos e ter outras prioridades.
Como solução de compromisso, pedimos agora para a Google colocar no Blogger uma opção para esse ecrã (ou todos os similares) não aparecer mais do que no primeiro acesso.
Se concordas com esta ideia e tens conta do Google (ou GMail) vai aqui e vota:

O quarto do vazio

O quarto era singelo. O resto da casa não importava porque há muito que se tinha desmaterializado. Para além disso, ela passava a maior parte do dia dentro daquele quadrado de sonhos e ilusão, jazida naqueles lençóis, numa cama espinhosa que extirpava um pedaço dela a cada dia que passava. As paredes eram decoradas pelas lembranças do presente, do arrependimento do passado e do vazio vislumbrado do futuro. A alcatifa, pisada centenas de vezes, tinha a marca de apenas um sapato de mulher. “São Euros? Não, são rosas… 40 para me diluir um pouco mais, ou 60 e a ressaca dura até amanhã.” Aquela janela, porta para o mundo material, testemunha de escárnios e ilusões primitivas, é a única transparência naquele cubículo, a única que deixa passar a luz e ainda assim, encoberta pelos longos panos que caem do tecto para que as ilusões sejam privadas. Um dia… um dia este quarto vai ser pintado, ou porque as lembranças das paredes se renovam, ou porque a parede ficou velha, cansada e gasta, e não mais consegue guardar vazios.


O amor é assim.

Apanhei-a na Bertrand. Como quem não quer a coisa perguntei-lhe:
EU: É pá, queres namorar comigo?
ELA: É claro que sim!
EU: Então começamos hoje
ELA: Fixe, meu (querido, supus eu)
EU: Fixe, minha (querida, supôs ela)
A partir d’agora namoramos. Nunca mais a vi, e tão pouco nesse dia.
O Amor é assim.

(História da autoria de um amigo que prefere não revelar a sua identidade, e ainda não arranjou pseudónimo que lhe acertasse bem!)

Húmido

Humedeces-me.
Os beijos que me excitam,
o sexo que me enlouquece
e tu, todo, inteiro,
deixas-me no sonho
da paixão.

O momento é breve,
chega e vai:
desaparece.

Vou querer voltar
ao húmido gotejar de ti:
um dia em que as flores
sejam azuis
e eu me inteire
das nossas loucuras.

Poesia de Paula Raposo

Gostos não se discutem... satisfazem-se



Sheela Na Gig


1 página

oglaf.com

08 outubro 2010

O Fígado

A discussão arrastou-se durante horas: começou ao jantar, agravou-se no levantar da mesa e no arrumar a cozinha, seguiu pelos zappings televisivos, encalhou e teve um período de tréguas numa série da fox, regressou na casa de banho e deitou-se com eles.
– Vais ler? – rosnou o homem, quando a viu debruçar para pegar no livro que andava a ler.
– Porquê, tens alguma sugestão melhor? – replicou a mulher, de livro na mão enquanto ajeitava a almofada.
A sugestão de que ele se lembrou envolvia contacto físico, troca de fluidos e, provavelmente, alguma comunicação. Calou-se.
“Bem me parecia…”, recriminou para si a mulher, antes de abrir o livro e tentar começar a ler.
– O nosso casamento é como o fígado de um bêbado – declarou ele, a olhar para o ecrã apagado pendurado na parede em frente aos pés da cama.
A mulher ouviu e levantou os olhos para a televisão, procurando nela uma explicação para a estranha e enfática declaração, mas confirmou o que já sabia: a televisão estava desligada.
– O quê? – perguntou ela a meio-tom, devolvendo os olhos à segurança dos diálogos que faziam sentido e às irrepreensíveis sequências de causas e efeitos, verdades e consequências, que, de forma confortavelmente previsível, iam surgindo nas frases perfeitamente alinhadas do livro.
– O nosso casamento é como o fígado de um bêbado – repetiu o marido, deleitando-se com a frase como se ela tivesse gosto ou aroma.
– Porquê? – murmurou a mulher, sem tirar os olhos do livro.
O homem seguiu-lhe o olhar e viu o livro aberto. Hesitou, pareceu-lhe que o livro era uma bóia que ela não queria largar; um pedaço de outra realidade para onde ela queria fugir. Repetiu a frase para si e achou que era uma belíssima frase e o livro aberto um insulto. Um desmesurado e imperdoável insulto.
– Por nada… – respondeu, encolhendo ostensivamente os ombros.
Ela conhecia-lhe as tiradas grandiosas e as frases dramáticas e sabia da normal ausência de conteúdo ou das enviesadas e longas explicações que as procuravam justificar. Já não tinha paciência.
– Está bem – aceitou. E recomeçou a ler.
Ele acendeu a televisão.