09 outubro 2010

O quarto do vazio

O quarto era singelo. O resto da casa não importava porque há muito que se tinha desmaterializado. Para além disso, ela passava a maior parte do dia dentro daquele quadrado de sonhos e ilusão, jazida naqueles lençóis, numa cama espinhosa que extirpava um pedaço dela a cada dia que passava. As paredes eram decoradas pelas lembranças do presente, do arrependimento do passado e do vazio vislumbrado do futuro. A alcatifa, pisada centenas de vezes, tinha a marca de apenas um sapato de mulher. “São Euros? Não, são rosas… 40 para me diluir um pouco mais, ou 60 e a ressaca dura até amanhã.” Aquela janela, porta para o mundo material, testemunha de escárnios e ilusões primitivas, é a única transparência naquele cubículo, a única que deixa passar a luz e ainda assim, encoberta pelos longos panos que caem do tecto para que as ilusões sejam privadas. Um dia… um dia este quarto vai ser pintado, ou porque as lembranças das paredes se renovam, ou porque a parede ficou velha, cansada e gasta, e não mais consegue guardar vazios.


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Uma por dia tira a azia