29 abril 2013

Luís Gaspar lê «Triste forma de amar» de Cristina Miranda

"Noite após noite,

Colocaram-se nuvens no céu-da-boca.

Estudaram-se os segredos,

Enquanto sentíamos a chuva

Nas nossas línguas.
Imaginei os reflexos

Dos pirilampos que viriam

Servir-te de ponto,

Espalhando restos de luz,

Sobre a galeria de vidas que encenámos…
Conhecíamos a razão

Do pousio das palavras,

Da angústia de sentir descer 

Sobre elas o pano…

Os aplausos eram apenas o eco

De ver uma nova personagem surgir,

Sobre o horizonte da minha garganta.
Por isso decorei todos os silêncios,

Essa ante estreia de uma outra estação,

O escuro de um Inverno,

Sabendo dos reflexos de chuva

Que teria ainda de conhecer.
Tentámos fingir,

Mas não era esse o ponto forte!

O ponto alto?

Foram os obstáculos,

As sementes de tempestade

Escondidas nas nuvens

Do céu das nossas bocas,

Que fomos suportando.
Entrámos.

Eu sentei-me na primeira fila,

Para ter a absoluta certeza de que me verias,

Ainda que fosse eu, a tua única espectadora.

Não aplaudi, no fim.

Já sentia o lago de lágrimas, 

No meio de um público,

No meio de mim…
Esperei que todas as luzes se apagassem.

E, então, sim, 

Chorei, no escuro,

Para que nenhuma porção minha me visse.

E depois fugi 

Daquele lugar,

Fugi de mim,

Tropeçando nos soluços,

Chegando quase a cair,

Naquela tão triste forma de amar!"

Cristina Miranda

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa