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Charlie... a morte é a nossa última queca em que só um lado é que goza...![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEif-jwvZUzZ7QbcrU-9llWhP72sUmJY_XNWTxgikzTiirSe1BF3fjFIHn0-gya35ec3i40MEho5UmLmO_CYcnKOs_X2AGw4XsosnUx1E6exCZUBn5_VDxbNs90sYFKU5q6RLlZG/s400/homemmulherbar.jpg)
Estive há dias novamente com ela.
À roda dum copo numa conversa em tom baixo, música suave e olhos nos olhos, lendo para além das palavras em cada pequeno jeito nos traços do rosto, cada pequeno sorriso, cada inflexão de voz.
- A vida não é apenas o intervalo entre umas quecas? - Disse ela após termos abordado, entre duas taças, diversos aspectos do eterno tema – Desde a queca a partir de onde foste feito até à tua última ?
- Bem, é um ponto de vista.- Respondi. - mas dito assim posso discordar. Há gente que nunca passou por uma experiência sequer em toda a vida, olha os místicos. Eremitas e sacrossantos que passam a vida em êxtase contemplativo....
- Desculpa mas estás enganado, Carlos. – Interrompeu. – As experiências místicas não mais são que uma forma intensa de sublimação da sexualidade. É sabido, e até guardado nas gavetas do desconforto da Igreja, as situações de orgasmo sentido por todo o corpo pelas noviças e interpretadas por elas como transe divino, de comunicação com o Senhor, com o transcendente. Elas em profunda paixão por esse figura quase nua, crucificada, Jesus filho de Deus, de olhos fechados entregues a quê? Diz-me, Carlos; entregues ao amor. E o que é o amar senão o gostar muito consubstanciado nessa entrega e posse mais intensa que nos está nos genes e nos vem ao cimo, mesmo que inconscientemente?: O sexo!
Olhei para ela e esperei um pouco.
- Tens razão nesse pormenor, - continuei já no uso da palavra enquanto, pegando-lhe na mão, brincava com os seus dedos - e até é sabido os castigos que as Madres Superiores infligiam às pobres desgraçadas quando elas numa pura ingenuidade lhes confiavam e descreviam, exultantes, as suas primeiras experiências de êxtase. Sabemos o que lhes acontecia depois dum enorme raspanete: Mortificação da carne, flagelação e jejum, oração para afastar os pensamentos pecaminosos que o Demónio habilmente lhes induzia disfarçados de prazer na adoração a Deus. Fechadas depois em celas de castigo, perdidas entre uma adoração abstracta e assexuada por um Senhor, que sendo homem não podia ter sexo nem ser Icon de prazer, e a verdade natural de ser-se mulher atirada pela lógica da razão irracional, passe o paradoxo, para os confins dos campos do mal.
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- Bem, - interrompeu ela, - mas os conventos não eram só isso. Estás a esquecer-te dessas outras, noutras fases da História, que faziam das celas autênticos bordéis.
Acenei positivamente embora respondesse num tom de meia discordância.
- Bem, bordéis não diria tanto, mas lá que faziam as suas orações em ambiente privado e bem mais animado do que as desgraçadas de que falei agora, isso acredito. Mas quando discordava de ti quanto à vida ser o intervalo entre duas quecas, queria dizer além do que falámos sobre os místicos, que a última queca da vida, não quer dizer o fim dela. Há imensa gente que vive imenso tempo depois de que o corpo tenha deixado de sentir qualquer apelo.
- Acreditas nisso, Carlos? É o corpo que seca ou são os braços que baixam, presos a relações que há muito deixaram de ser nascente? Quantas vezes após um divórcio, gente com uma certa idade redescobre a vida, outros até descobrem-na verdadeiramente... Seja como for, repara, a morte é a nossa última queca em que só um lado é que goza. Quando morremos estamos feitos, fodidos...
Rimo-nos, e pegando-lhe nas mãos beijei-lhe as falanges, os polegares, à medida que ela encolhia os braços fazendo aproximar-nos os lábios. Detivemo-nos um instante, bocas frente a frente a um mero gesto do encontro, guardando o momento naquele limbo fantástico do cai-não-cai do caminhante a atravessar uma ponte de cordas suspensas e que de repente olha para baixo, a dezenas de metros onde corre mais rápido que o olhar, um portentoso rio por entre pedras e restos de troncos, sequiosos por dilacerar as carnes suspensas em vertigem. Afastámo-nos.
- Porque andas nesta vida, perguntei-lhe? Sabes falar de tantos assuntos, és inteligente e culta. Pergunto-me que tipo de conversas terás com certos tipos que apenas procuram Lolitas estúpidas e dar umas quecas...-
- Olha para mim. - Interrompeu. – O que te atraiu em mim? Não foi o corpo? Tal como eles. Mas meu querido, sou eu quem escolhe. Tenho os meus clientes certos que só são certos enquanto eu quiser. Uns conversam duas horas sobre os filhos, outros
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sobre pormenores dos negócios. Outros levam-me a sítios extraordinários, reservados só a alguns e que passei a conhecer e a incorporar na minha experiência pessoal... Na verdade ando nisto porque gosto, entendes? Gosto de conhecer gente, homens diferentes, rasgar fronteiras. Mete-me horror saber que teria de passar toda a vida com um deles embora me saibam bem os momentos em que eles me tratam nas palmas das mãos, das prendas e do dinheiro que generosamente me pagam para que eu seja só deles. Se queres saber sou como tu: gosto de foder, gosto de ti, falar contigo, rir-me contigo, levar-te para a minha cama, acordar ao teu lado e mandar-te embora, de preferência depressa, para que mais depressa sinta saudades tuas depois de estar com eles... Sou assim, entendes?
- Sim entendo, claro que entendo, - disse olhando para ela horas depois enquanto sem ruído calçava os sapatos e abotoava a camisa para que sem a acordar saísse depois porta fora rumo à minha casa. Para o duche tomado a sós...