No texto «Ados et porno: où est le mal?» do Blog Les 400 Culs, Agnès Giard defende que "o romantismo dengoso é muito mais perigoso do que as representações explícitas de sexo. A cola piegas das novelas, a doçura sistemática dos nossos sonhos é que são os inimigos. No entanto, o que é censurado é o sexo, mesmo quando representado de uma forma inteligente e bonita. Porquê? Porque é preciso «proteger as crianças», dizem os legalistas. Em nome de quê se faz a «protecção à criança»? De uma censura moral para demonizar imagens explícitas (nudez, penetração) culpadas, segundo alguns, pelo impacto negativo sobre esses seres frágeis que são os menores de idade".
Continua a autora: "Se estão preocupados com isso, sabem que o que perturba as crianças é o espectáculo de violência, ou pior, a humilhação a que as submetem nas suas primeiras tentativas para amar os seus corpos e obter prazer? «Não é bom! Caca!» - dizem alguns pais perante um seu pequeno toque inocente. «Não toques aí!» - dizem outros falando sobre a masturbação. Acham que sujar o sexo, associá-lo às fezes e à urina, não são ainda o suficiente. Estas pessoas, não contentes por castrarem os seus próprios filhos, arvoram-se em protectores: querem que a visão das mulheres e/ou homens em busca de prazer seja removida da paisagem. Mesmo os órgãos genitais devem ser censurados. Nunca se sabe, pode traumatizar as crianças saberem a que se assemelha um ser humano".
E alerta: "A recusa de representações explícitas de sexualidade é muito mais um ponto de vista moral e político, o que reflecte uma intolerância no que diz respeito ao sexo pelo sexo. (...) mostrar o acto sexual é considerado pelos conservadores de direita ou de esquerda como um ultraje, uma falta de respeito para com o que deve ser, no seu ponto de vista, a sexualidade: um acto dissimulado no seio do casal".
Agnès Giard apresenta o ponto de vista do filósofo Ruwen Ogień, para quem "a censura é uma palavra enganosa. Em termos de sexualidade, não é «censura» e sim «convicção moral»". Estaria muito mais perto da verdade. Num artigo intitulado «A repressão moral e legal da curiosidade sexual», (...) Ruwen Ogień denuncia "esta censura que se destina, segundo ele, a suprimir o desejo de auto-conhecimento e de conhecer os outros, é uma forma muito insidiosa de «repressão»,porque está escondida sob a aparência de maior credibilidade. Todos os pais temem por seus filhos e este discurso dos censores explora lindamente esse medo". Um tal adolescente teria exigido sexo oral ao seu irmão mais novo, depois de ver pornografia. Uma tal menina, ao chegar a casa no regresso da escola, teria pronunciado palavras terríveis que aprendeu presenciando uma discussão entre adultos...
Ruwen Ogień explica a evolução desta censura: "Basta olhar para a história da censura para entender como estes argumentos são enganosos. Na nossa sociedade, a justificação da punição tem sido religiosa. Representações explícitas minariam algumas virtudes cristãs, como a castidade, a fidelidade, o amor, a caridade. A partir do século XIX, a repressão tornou-se mais secular e moral, isto é, feita em nome do trabalho, da disciplina, da autoridade, da temperança, da família, da casa, etc . Durante a segunda metade do século XX, uma importante mudança ocorreu: a justificação de controle de actividades sexuais e das suas representações deixou de ser dada com referência a estes conceitos abstractos que são as virtudes religiosas e os valores morais. Foi nessa época que seria imposta a ideia de que apenas o dano concreto, o dano psicológico ou físico para indivíduos particulares ou grupos específicos de pessoas (crianças, mulheres, crentes, etc.) poderia servir para justificar o controlo da actividade sexual e as suas representações".
Por outras palavras, "se houver censura, é apenas para justificar o fundamento antigo da moral religiosa. E essa censura, para sobreviver,para se adaptar às mudanças na consciência colectiva, continua a travestir-se da forma mais convincente em nome do interesse apresentado como legítimo: o bem público. Dois séculos atrás, as imagens obscenas foram consideradas «blasfemas», «sacrilégio», «ultrajantes» ou «subversivas» porque ameaçariam a ordem moral ou religiosa. Hoje, são consideradas «prejudiciais para a integridade física ou psicológica de pessoas ou grupos de pessoas claramente identificados: crianças, católicos praticantes, etc. O vocabulário mudou. Mas é sempre a mesma lógica".
Num artigo intitulado «Adolescentes e pornografia», Florian Voros disseca com ironia os mecanismos perversos dessa retórica infantilizadora: "Foi infelizmente impossível, com a mudança de civilização, manter sob tutela o «sexo frágil», o «proletariado» ou os «negros». Assim, aos censores não restam mais que as crianças para serem protegidas".
Mas o que é exactamente a lei? É aqui que Ruwen Ogień observa uma inconsistência curiosa: "Em França, hoje em dia, o consentimento é considerado o único critério sobre o que são práticas sexuais legais ou ilegais. Mas a idade em que os menores têm capacidade legal para consentimento é uma ficção legal que não leva em conta nem a sua capacidade mental nem os seus verdadeiros desejos, que são tão variados quanto os indivíduos. Agora assume-se a idade de 15 anos, mas pode ser aumentada ou reduzida de forma arbitrária. No entanto, mesmo que 15 seja a idade de consentimento, isto é, aquela em que pode fazer tudo, sexo oral e anal em série incluídos, ainda é proibido de assistir a filmes pornográficos representando os actos praticados até a idade de 18 anos. Aquele que não controlar exibições de filmes a menores nesta faixa etária deve, em princípio, ser punido por abuso em nome da protecção da criança. Por outras palavras, a partir dos 15 anos temos o direito de fazer qualquer coisa sexualmente consensual entre os jovens, mas não temos o direito de ver um filme. Mas de que queremos exactamente proteger os jovens por esta censura? O mínimo que podemos dizer é que não é consistente. Não só esta lei é inconsistente mas absurda, porque é obviamente muito fácil para um adolescente obter essas revistas ou DVD que a lei o proíbe de ver". E questiona: "Devemos preocupar-nos? Muitos pais temem que os seus filhos possam ficar com uma visão mecânica do sexo". Do sexo sem amor, que eles acham que é muito triste, "esquecendo que isto é precisamente o que dá todo o interesse à pornografia: deve ser vista como uma espécie de documentário-ficção. Sem argumento, sem diálogo ou, se houver, muito pouco. O acto mostrado como se fosse à lupa, com alguma ênfase talvez um pouco clínica... e então? A pornografia não é mais perigosa para a saúde mental do que os desenhos em corte do aparelho genital, seja do ser humano ou das flores, pouco importa. Pelo menos tem a vantagem (em comparação com as ciências naturais) de ser excitante, ou pelo menos transgressora. A pornografia não é mais do que uma ferramenta, entre outras, ao serviço do conhecimento. E quando o porno não existia, havia outras maneiras de as pessoas se informarem... O que fizeram os nossos avós quando tinham 12, 14 ou 16 anos? Assistiam a pares que faziam amor no feno? Observavam a vida dos animais? Liam às escondidas livros proibidos? Sim, é mais do que provável e essas experiências não eram nem mais nem menos preocupantes do que as que consistem em assistir a um filme XXX".
Agnès Giard conclui: "Ver o sexo faz parte das necessidades, sobretudo numa idade em que se descobre o seu corpo". E é por isso que Ruwen Ogień diz que há uma e uma só pergunta que vale a pena ser feita, que é: «Qual é o mal?» "Se toda a influência da pornografia se resume a esta forma de relação consigo mesmo, como pode ser «imoral» ou «patológica»? O acto de depilar o púbis ou os testículos é um sinal de doença mental ou de um vício moral que é urgente combater?! A angústia sobre o tamanho do pénis ou do desempenho sexual apareceram com a primeira exibição de um filme porno no cinema?! Quais as evidências de que a sexualidade dos jovens sob a influência da pornografia é pior do que a dos jovens de antigamente, que supostamente nada sofreu?! Pode-se certamente criticar a estética porno, achá-la feia ou ridícula (e nem todos concordam quanto a este assunto). Mas por que fazê-la responsável por males psicológicos ou morais?!"
Texto «Ados et porno: où est le mal?» de Agnès Giard
com tradução livre minha