21 julho 2013

«Olhares de Coimbra» - por Rui Felício


Foi há muitos anos, fins de Maio..., mas não esqueço... Meio da tarde, sol abrasador, entro no Mandarim para saciar a sede.
Logo que entro, em frente, reparo numa miúda sozinha numa mesa com um copo de laranjada à sua frente.Procuro um lugar do lado oposto e peço um fino.
Observo que a sala estava quase cheia, muitos de capa e batina, livros espalhados pelas mesas. Ela contrastava pela quietude, pela calma, pelos olhos verdes, melancólicos.Enquanto aguardo para ser atendido, tento evitar, mas não consigo resistir a procurá-la com o olhar, por entre a azáfama constante de estudantes a entrar e a sair.Quando os nossos olhares se cruzaram, dissimulámos ao mesmo tempo.Ela desviou o olhar em direcção à parede como quem admira os azulejos do Vasco Berardo, e eu a partir desse momento, encantado com a beleza do seu rosto não consigo mais desviar, embora disfarçando, o meu olhar da sua direcção.

Por várias vezes os nossos olhares se cruzaram.

Criou-se entre nós uma emoção incontida da qual eu e ela éramos cúmplices, sem que mais ninguém o soubesse.O tempo foi passando, quando de repente chamou o empregado e pediu a conta.Ficou em pé, junto ao balcão, esperando pelo troco, entre o sol que entrava pela porta e o meu olhar.Observo a sua silhueta perfeita, coada pela luz solar, sob um vestido leve que contornava as suas formas e parecia acariciar-lhe o corpo. O cabelo dourado reflectia os raios do sol.Com delicadeza e elegância dirige-se para a porta, corre o olhar deixando-o fixar-se por um segundo no meu e sai.Lentamente desaparece na rua...Permaneço no meu lugar, estático, indeciso, a pensar no sublime momento acontecido.Outras pessoas foram chegando, mas já não havia motivo para eu permanecer ali.Saí também. Corri a Praça da República com o olhar, a Sá da Bandeira a Tenente Valadim, mas nem rasto dela...

Uns meses depois vi-a na Praça 8 de Maio a um domingo de manhã...Vinha acompanhada da sua irmã gémea e de um casal que pareciam ser os seus pais, a sair da Igreja de Santa Cruz.Uma das gémeas olhou-me, sorriu levemente..Era ela, porque a outra nem me notou...Durante algumas semanas fui à Igreja de Santa Cruz, ao domingo, mas nunca mais a vi. Até hoje...

Mas não esqueço...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
Imagem - parte do painel de azulejos de Vasco Berardo (1960) no café «Mandarim» (agora «McDonald's»), na Praça da República, em Coimbra.