18 janeiro 2014

«A tua cona é um santuário» - João

"Cinzento. Sabemos, ambos, que existe azul e Sol mais acima, mas aqui, visto de baixo, está cinzento. É a cor do céu, das caras das gentes, das instituições sombrias. Estamos agarrados. Apertados. Temos os braços emaranhados, e as pernas também. Insistes em encostar a cabeça ao meu peito e ouvir o bater do meu coração. Por razões que talvez nunca tenhas entendido, eu não lido muito bem com o bater do coração. Prefiro não ouvir. Não sentir. Mas gosto que tu encostes a tua cabeça ao meu peito. Gosto que oiças o meu coração bater. Se tu gostas, eu gosto. Convivo bem com isso e não tens porque evitá-lo. Estamos quentes. Temos uma manta que cobre os corpos, e o que o tecido não cobre, o amor preenche. Somos caprichosos. Esticamos o tempo o mais que podemos, ignoramos os relógios, ficamos apenas nós, a saborear o tempo da chuva, desinteressados do que se passa lá fora, do que fazem as outras pessoas, do que dizem. Borrifamo-nos. À grande. À nossa.

Rompo o silêncio com um pensamento tirado do fundo das minhas sinapses. Do meio do nada, exclamo, a tua cona é um santuário! Afastas a cabeça do meu peito por um instante e olhas-me com surpresa, enquanto me cravas as unhas junto às costelas. Como? Sim, é como disse. A tua cona é um santuário. O que lá se passa é inexplicável, a perfeição com que nos unimos, quando a visitamos, é just short of divine. De volta ao meu peito dizes que, se calhar, olhando às coisas que eu penso e em que acredito, sendo assim, não fodemos hoje. Só por respeito, talvez. Para manter a dignidade, vá. Talvez seja de ficarmos só assim, de corpos confundidos e quentes, e deixar os olhos repousar, caindo num sono profundo, partilhado, sem pressa, sem ninguém que me diga que acelere, sem gemidos a rebentar em nós. Talvez. Pergunta-me daqui a meia-hora. Talvez menos. Talvez um pouco mais. Connosco, nunca se sabe. Não. Disseste-o com clareza. Não! Connosco sabe-se sempre!"

João
Geografia das Curvas