Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos, ou se preferes,
a minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti, eu falei em
neve, e tu calavas a voz onde contigo
me perdi.
Como se a noite viesse e te levasse, eu
era só fome o que sentia; digo-te
adeus, como se não voltasse ao país
onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens, e
sobre as nuvens mar perfeito, ou se
preferes, a tua boca clara singrando
largamente no meu peito.
Eugénio de Andrade
pseudónimo de José Fontinhas (Póvoa de Atalaia, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005). Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade sempre viveu distanciado da chamada vida social, literária ou mundana, tendo o próprio justificado as suas raras aparições públicas com «essa debilidade do coração que é a amizade».
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa