21 setembro 2014

Luís Gaspar lê «A Carne» de João Penha


Carne mimosa, carne cor de rosa
Nada mais sois, oh anjos, na poesia
Dos vates dissolutos de hoje em dia,
Nos romances de amor, hedionda prosa.

A vossa alma gentil, ideal, mimosa,
Nestas idades de descrença ímpia,
Como escondida, numa estátua fria
Sonha e não voa, de voar medrosa!

Anjos chorai o Amor! Com voz dolente
Dizei-lhe adeus! Bronco recife
Se apruma entre ele e vós, cruel, ingente:

Que par mais que de vinhos o borrife,
Ninguém gosta de ver, continuadamente,
Diante de si, fatal, o mesmo bife!

in “Novas Rimas” a Cândido de Figueiredo.

João Penha
(1838-1919)

Poeta português (de Braga), também jurista e magistrado. Introduziu o parnasianismo em Portugal.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa