29 setembro 2014

«pensamentos catatónicos (309)» - bagaço amarelo

Durante vários meses sentei-me à frente dela com o único objectivo de beber um copo. Às vezes mais do que um, outra vezes mais do que muitos. Nunca troquei com ela mais do que a informação necessária para conseguir o meu objectivo.

- Um Bushmills, por favor.

Talvez, num dia ou noutro e assim como quem não quer a coisa, tenha falado do estado do tempo, aproveitando o facto de estar molhado pela chuva ou suado pelo calor.

- Nunca se viu um calor assim.

Mais do que a voz, lembro-me do seu constante sorriso. Ela ainda falava menos do que eu e limitava-se a cumprir os meus pedidos com o máximo de competência possível. Nunca me pareceu feliz nem triste, o que fazia dela um enigma.
Era a empregada do meu sítio secreto, aquele onde eu ia beber quando queria trocar dois dedos de conversa comigo mesmo. Não é fácil encontrar um bar onde me sinta bem sozinho. Por isso mesmo, quando encontro um nunca o divulgo. Provavelmente ela via-me como um homem solitário e silencioso, se é que alguma vez pensou nisso.
Ontem fui lá e ela não estava. Atendeu-me um tipo simpático e conversador que me disse que ela está de férias. Só bebi um copo e voltei para casa.
Às vezes são as pessoas que não conhecemos bem nem queremos conhecer melhor que nos fazem falta.
Uma pessoa pode ser um vício. Era só isso.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»