... a fazer-me cócegas dentro das cuecas e pensei cá comigo: “Vinte Sete, onde vai que tu nã vás às maganas... mai logo, tá isso azedo...
Há que tempos que não lhes dava de vaia, que é como quem
diz, porra que o tempo passa e uma pessoa
até parece que se esquece dos amigos, nem com um bom dia amanda.
Prós mais novos, que os velhos já me conhecem de ginjeira, o mé nome éi: José Carlos Trambolica, mas a malta arredonda
a coisa para Zeca Tramelica e depois das maganas terem feito soar por aí que sou pichalhudo, puseram-me o Vinte e Sete. E como éi uma fama com proveito,
deixo a coisa andar, não sei se mentendem. Bem, mas adianti!
Acabi de chegar da tasca do cabranote do Orelhas de Podengo,
e disse cá para mim, Zeca, nã achas que
tás a ficar molengão? Éi assim que se
arranjam as famas ós Alentejanos. A
gente sabe que os Galegos, quando vêm
praqui trabalhari pelas alturas da estorreira, bem que a genti os ouve:- “Ai que isto num she pode, isto num she pode”. Que
foi o que por acaso ouvi no ano passado, tava ali a querer passar com a minha Famel e
tavam arranjar a estrada pra Castro Verde, quando o maquinista, um gajo com falas lá do Norte, se saiu com essa tirada e ainda era só Julho. E atão, eu
que nã sou de ficar calado arrespondi-le:
- “Atão mas compadre, são só dez e meia da manhã, e você diz que nã se
pode? Deixe chegar aí as duas da tarde, nem digo agora, mas aí pró mês que vem e logo vê o que é
trabalhar ó calor no Alentejo. Nã queira tirar uma sestazinha pela estorreira que
logo vê se aguenta!”
Bem, mas numa coisa eles têm rezão: se a genti
puder fazer por metade do trabalho, nã
faz pelo dobro, lá isso nã faz, só que
isso nã perdoa eu nã ter escrito uma só linha, onde vai já ós meses, das partes
que se passam aqui no mé monti, que éi quase uma aldeia, com estrada de
alactrão e tudo a passar mesmo ao lado.
Por isso, toca a escrever ai umas alembraduras que é pra malta saber a vida
que uma pessoa leva.
Tava eu com o treco-lareco-de-orelhas a fazer-me cócegas dentro
das cuecas e pensi cá comigo: “Vinte Sete, onde vai que tu nã vais às maganas,
dar uma berlaitada pra despejar o óleo,
mai logo, tá isso azedo e nem pra queijinhos dá!”
Às putas, poisatão, pra pôr o vinte e sete na vinagreira!
Quando tava de volta e bem satisfeito, tava já
a pôr-se escuro, e tava o mé vezinho, esse
que é tractorista à do Dom Parreco, chegando à porta da tasca e dé-me sinal prá
gente beber um branquinho. Eu que não sou de modas arrefinfê-lhe logo com um
quejenhito em cima da mesa com um bocado de pão que tinha comprado pelo caminho
e pensi, Vinte e Sete, assim como assim, com isto e mais um pires ó dois de
petisco aqui da tasca, ficas logo jantado.
O mé vezinho tameim tinha trazido metade de
uma linguiça e a gente comendo e bebendo lá foi. Mas encontrei-o assim mais pró lado do calado pró que é costume, e atão perguntê-le:
- “Ôve lá, tás um bocado murcho homem, qué que tens?”
E atão ele arrespondeu-me.
- “ Tas a ver ali os olivais novos
do Dom Parreco, nã tás?”
Eu assenti-le
que sim enquanto emborcava o branquinho e ele continuou.:
- “ Sonterdia chegou-se le ó péi um gajo muito penteadinho, de fato e garvata, a calcinha preta muito vincada e com sapatinho de puta, muito fininho, ali de espantalho no meio dos torrões, com uma pasta de baixo do braço. Éu tava lá com o patrão a combinar um trabalho de tractor que tinha de ser feito ali na chapada alta, e ouvi a conversa toda. O filho dum cabrão perguntou se era o Dom Parreco, o dono das propriedades, apresentou-se, abre a pastinha, tira de lá um catálogo e um daqueles tabuletes ó lá o que é, e começa a falar e a falar, que até parecia uma metralhadeira e a mostrar coisas na tabulete, e que era representante de umas máquinas que faziam tudo, na apanha da azeitona e na lavoura da terra, o gajo falava e falava e o Dom Parreco ouvia, ca pachorra que ele tem e o outro, vá de falar e falar.
- “ Sonterdia chegou-se le ó péi um gajo muito penteadinho, de fato e garvata, a calcinha preta muito vincada e com sapatinho de puta, muito fininho, ali de espantalho no meio dos torrões, com uma pasta de baixo do braço. Éu tava lá com o patrão a combinar um trabalho de tractor que tinha de ser feito ali na chapada alta, e ouvi a conversa toda. O filho dum cabrão perguntou se era o Dom Parreco, o dono das propriedades, apresentou-se, abre a pastinha, tira de lá um catálogo e um daqueles tabuletes ó lá o que é, e começa a falar e a falar, que até parecia uma metralhadeira e a mostrar coisas na tabulete, e que era representante de umas máquinas que faziam tudo, na apanha da azeitona e na lavoura da terra, o gajo falava e falava e o Dom Parreco ouvia, ca pachorra que ele tem e o outro, vá de falar e falar.
Às tantas ele sai-se com esta pró mé patrão:
- “Por exemplo, o senhor tem agora neste
momento quantas mulheres na apanha?” Ele lá disse, são mais de sessenta mas
chegam a ser cem, consoante o serviço.
- “Pois com esta máquina o senhor poupa imenso dinheiro e fica descansado com os problemas, os atrasos,os ordenados e por aí fora. É toda
programada, faz a apanha selectivamente, separa as folhas, separa as azeitonas
por tamanho, cor e até grau de maturação, depois na volta faz a limpeza do
terreno, espalha adubo por doses consoante a porção de terra porque também
analisa no instante em que está a a adubar a necessidade das plantas, e ainda,
faz as podas na altura que devem ser feitas. E além do mais….”
Foi ai que o Dom Parreco interrompeu e saiu-se com esta:
-“Mas escute lá só uma pergunta: Esta máquina que faz tudo, também faz
broches?”
Bem, por esta é que o lingrinhas nã esperava. Meio engasgado
e com cara de parvo lá respondeu:
-“ Não… Isso
é que não faz...”
Bem, cabranagem! Apanhei uma pele de rir, que quase me
engasgava. Até o tasqueiro, com aqueles olhos de carneiro mal morto, de
olheiras até ós queixos e as bochechas penduradas, parou
de secar os copos. Ele nunca mostra os dentes, mó do respeito que quer
dar e por ser cabranote, mas a gente que o conhece onde vai há que tempos, viu
nos olhos dele que tava a estoirar por dentro, a cara sem mexer nem um fio, mas
atão os olhos!!!
Tava eu a rir quando repari que o mé companheiro continuava
murcho e sem vontade nenhuma.
-“ Atão o que tens homem? Continuas desengraçado e eu aqui morto de
festa a imaginar a cara do penteadinho…hahaha, tá boa, a máquina faz broches…hhhhhhheheheee…que
piada, tá bem metida, hehehehehe”.
Só que ele nem truz nem mús, calado e murcho, nem um sorriso e depois saíu-se:
-“É que sabes? A porra é que no meio da conversa toda, o
finório disse que a máquina nã precisava de tractorista….”
Foi aí que eu, que sou um velhaco muita grande nã me seguri
e disse-le:
- “O homem! Atão mas isso resolve-se bem. Pões um anúncio no
jornal. Ou então mesmo à tua porta em letras grandes: -Tractorista com experiência oferece-se . Faz broches de toda a maneira-!”
Bem pela cara do mé companheiro, ele nã deve ter achado
piada nenhuma, só o que é, é que o Orelhas de Podengo desapareceu por de trás
do balcão.
José Carlos Trambolica,
( Zeca Ramelica, o Vinte e Sete.)
Publicado por Charlie