28 maio 2017

«visita» - bagaço amarelo

A Li veio visitar-me. Sentou-se ao meu lado direito na mesa quadrada do café. Depois trocou de lugar para ficar à minha frente. Não o disse, mas eu sei que ela teve medo que ambos ficássemos hipnotizados pelo televisor que estava a olhar para nós. Sei-o porque me lembro do nosso último encontro, talvez há oito anos atrás, onde isso aconteceu e ela detestou. Fez questão de o dizer, pelo menos.
Parece-me mais bonita agora do que nessa altura, embora tenha perdido alguma jovialidade. O tempo desenhou-lhe frágeis rugas no olhar e nos lábios, talvez apenas para a lembrar de que vai passando, todos os dias de manhã quando ela se vê ao espelho. Além disso, ganhou doçura no olhar e o seu sorriso tornou-se sincero.

- Estás tão bonita!

E ela atira os olhos para o chão. Nesse aspecto não mudou nada, nem sequer na forma inclinada que dá ao pescoço quando quer esconder a face. Os cabelos longos parecem ganhar vida própria quando lhe pousam nos ombros e depois deslizam suavemente para a frente ou para trás.

- Foi nesta mesa que estivemos a última vez? - Pergunta.
- Não. Na altura este café estava diferente e as mesas eram outras...
- Ah! bem me queria parecer...

Na verdade não foi apenas o café que mudou desde esse dia. Fomos nós. Ela emigrou, apaixonou-se por um australiano, casou e teve filhos lá. Nunca mais veio a Portugal. Eu não emigrei, mas também me apaixonei por cá. As nossas vidas pareciam duas linhas que se separavam lentamente uma da outra com o tempo que passa, mas que de repente se desviaram e cruzaram novamente neste momento.
Vi a fotografia dela numa aplicação para conhecer pessoas e ela viu a minha. Trocámos duas ou três palavras e ela conduziu duzentos quilómetros para vir tomar café comigo. Entretanto, a empregada do café pousa duas cervejas e uma empalhada na mesa. Esqueço-me de tudo o que entretanto se passou e lembro-me apenas de uma simples semana da minha vida, aquela em que vivemos um Amor que parecia ser para sempre.

- Lembras-te de como acabaram as férias em que nos apaixonámos? - Pergunto.
- Claro. Connosco aqui a olhar para a televisão...


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»