- Tira o casaco! - ordena. Talvez não pense mesmo.
Põe uma torrada no prato e dá-mo. Não me apetece comê-la, apesar da fome. Sei que assim que a trincar vou cortar o silêncio que se veio esconder com a luz. Começo por dar um gole no sumo e espero que seja ela a trincar primeiro a sua.
- Onde é que ias com tanta pressa? - Pergunta.
- Para casa, acho.
Foi uma noite mais ou menos difícil, passada num sofá que não é cama. Quase não dormi e, assim que amanheceu, vesti o casaco para sair. Ela apanhou-me já com a mão na porta e pediu-me para tomarmos o pequeno-almoço juntos. Depois leu o bilhete que eu deixara em cima da mesa.
Obrigado pelo abrigo e pelo vinho. Beijo.
Não está nada preocupada em disfarçar o ruído que faz quando trinca a torrada. As migalhas chovem-lhe na camisa de dormir, mas ela não liga. Está a olhar para mim e para um pequeno bibelot translúcido que me parece ser um golfinho de vidro. Também o olho e reparo que ele reflecte a nossa imagem, ou seja, mesmo quando ela desvia os olhos de mim continua a ver-me.
- Nunca dormes com uma mulher na noite em que a conheces?
- Às vezes sim, outras vezes não.
- E quando é que é sim e quando é que é não?
Sorrio com a pergunta e como a torrada toda de uma só vez. É o meu momento de libertação. A questão dela não tem a ver com ter passado a noite sozinha, mas sim em saber se eu a considero suficientemente boa para mim. Ou não, claro.
- Sim é quando me apetece, não é quando não me apetece. Mas isso tem só a ver comigo e não contigo. Quando não gosto duma mulher nem sequer subo cinco andares a pé para entrar na casa dela.
Ela levanta-se, junta os pratos e os copos e desaparece em passo apressado. Os tornozelos dela estalam. Ouço-a pousar a louça na banca da cozinha e acender um cigarro. Depois, enquanto expele uma quantidade controlada de fumo, aproxima-se e diz-me para ir embora.
- Vai-te embora, então...
Visto o casaco propositadamente devagar, para não parecer que quero fugir. Há na voz dela uma agressividade qualquer que me incomoda. Lá fora, nas escadas do prédio, ouço algum movimento do que me parece ser uma família numerosa, talvez com um carrinho de bebé e muita pressa de sair. Tenho saudades de ter uma vida normal, penso.
Tenho a mão novamente na maçaneta da porta, mas ainda não a abri. Dou alguns passos atrás e fito a silhueta dela em contraluz na janela da cozinha. Talvez já vá no segundo cigarro. Não sei.
- Explica-me uma coisa! - peço.
- Diz...
- Porque é que os homens têm sempre que foder?
Ela não responde. Saio.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»