19 outubro 2010

Receio

À tua volta
receio a saudade,
não a querer minha;
resolver voltar
e o barco que me espera,
tanto é o receio
de à tua volta
a saudade nossa.

O teu olhar pasmado
eu sem saída,
eu pensando (ainda)
na volta do receio,
quando o receio
nos volta.

Poesia de Paula Raposo

Muito melhor que um postalinho...

... é receber de oferta do editor um livro sobre «o erotismo através do bilhete postal ilustrado», coordenado por Manuel Sousa Figueiredo e com prefácio de Baptista-Bastos.
Já tinha a primeira edição (de 1999) na minha colecção mas esta, revista e aumentada, ainda está melhor.
Obrigada, Luís Gomes!
Recomendo uma visita ao site da Althum, onde se encontram muitas obras (livros e não só) interessantes.

18 outubro 2010

“Assédio, abuso, e violação sexual virtual” ou “Olareca!”

Andava eu ontem a “passear” por aí, ainda dando os meus primeiros passitos no facebook, qual criança encantada com o seu brinquedo novo, quando, de súbito, fui vítima de um ataque de agressividade e violência inusitadas. “Assédio virtual”, seguido de “abuso sexual virtual” e, por último, “violação sexual virtual” (ainda por cima sem direito a preliminares!). É certo que, em certa medida, tudo isto foi de alguma forma “consentido”, uma vez que neste ambiente virtual nos é sempre permitida a opção do: “bye, bye, delete”. Mas, muito embora o dedo me pendesse para o “clic fatal”, acabou por prevalecer o meu grande amor à ciência! E assim foi. O agressor era um homem que se fazia passar por mulher, ou vice-versa, não entendi bem, ou seja, algum espécime de urso pardo de dente muito afiado, notoriamente especializado em “sexo virtual”, e que fazia gala em envergar um strap-on, ainda que estivesse convencido de que eu era um homem. (Confusos?) De maneira que não foi fácil sair dali sem uma grande dor de cabeça, ou algum dente partido no instrumento que a criatura insistia, por força, em enfiar no primeiro buraco que lhe aparecesse a jeito. A tão experimentadas e violentas investidas valeu-me tão só este maldito sentido de humor, ainda que não haja “bela sem senão”, ou “rosa sem espinhos”, e tenha o mesmo sido responsável para que a altas horas da madrugada, já com um olho menos aberto que o outro, andasse eu empenhada em conservar em álcool etílico o extraordinário evento para mais tarde o recordar (quero dizer, a guardar o histórico do chat). Apesar dos métodos nada auspiciosos à excitação, e das minhas sistemáticas recusas, por vezes violentas, em nenhum momento a criatura se demoveu dos seus intentos, e ainda menos quando, ao cabo de cerca de uma hora, acabou por me vencer pelo cansaço. Disse-lhe “tchau, bye, bye, darling” e, (trabalhos meus!), fui tratar da tal tarefa de guardar a longa “conversa” que até aí já tinha decorrido, abandonando a caixa de diálogo aberta. Por fim, dado o adiantado da hora, e já mais morta que viva (que isto do sexo virtual, ainda mais quando forçado, também cansa), cheguei às últimas linhas da caixinha, verificando com alguma surpresa que havia sido presenteada com mais esta maravilha:

03:54 Libélula
Bem… já ri o suficiente por hoje.
Tchau
03:54 Criatura
PUTA!
CABRONA
RELES
ORDINARIA
CADELA!
GOSTAS NÃO GOSTAS DE LEVAR COM ELE NA CONA?
DIZ Q GOSTAS
VAMOS
ESTAS A ESFREGAR O GRELO SUA GATA COM CIO?
ESFREGA-O COM FORÇA
SIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
SIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
MAIS FORÇA
ANDA
APERTA O GRELO
ESFREGA-O!
MAIS
MAIS
SIM
FORRRRRRRRRRRRRÇA
FORRRRRRRRRRRRRÇA
MAISSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
SIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
SSSSSSSSSSSSSSSSSSIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
PUTA!
ESFREGA-O COM MAIS FORÇA
ABRE AS PERNAS
QUERO-AS MAIS ABERTAS CABRA!
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE
TE
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE

E esta, hein?

Hoje, com mais calma, fui dar uma espreitadela aos blogues deste senhor. Digo “senhor”, pois duvido (perdoem-me cavalheiros!), que alguma mulher (mesmo sendo das tais de barba e bigode) fosse capaz de tamanha cretinice ou brutalidade! Como se não bastasse violar-me virtualmente e insultar-me à conta de alguma tara sexual belicista e irracional, ainda me queria fazer vir à força! Passa das marcas, não?? E não é que para meu espanto, apesar de aparentemente foragida de alguma jaula e dos graves danos cerebrais, a criatura sabe ler, escrever, e contar?

O Quarto do Vazio - O Castelo

Júlia, endereço artístico de cinco letras que escolheu para que remetam a prosa que lhe dirigem, pintadas que estão as paredes do quarto que a cercavam e entreaberta a janela transparente porta do mundo, augura novos propósitos na condução da sua forma de subsistência. Já é Júlia que escolhe as marcas dos sapatos que impregnam a sua alcatifa. Já é Júlia que dita as horas, as regras, o tempo e o espaço para si própria. Antes, Júlia via as coisas pela frente e perguntava-se “Porquê?”, hoje ela lobriga situações pelas quais questiona “Porque não?”. Júlia encontrou o seu castelo, repleto de brilho e cor, juntamente com outras princesas que souberam brilhar para além do seu quarto do vazio, onde cada uma delas e juntas orquestram a quantidade e qualidade dos sapatos que pisam aquele soalho. Sim, já não se trata de uma velha e gasta alcatifa, mas de um soalho nobre, com estilo e presença que só se permite ser pisado por sapatos de qualidade. Que só se permite ser atravessado por quem procura qualidade. Sim, já é uma casa inteira e não um singelo quarto com uma cama e panos que caem do tecto. As ilusões ainda existem e são privadas, mas não tão primitivas como outrora, até porque para a maioria dos Homens, as ilusões são tão necessárias quanto a própria vida, e Júlia existe para satisfazer esse hiato da existência.

O Abre-latas feliz

À escala real, este felizardo (isto é, feliz sardo) teria um bengaleiro com um metro!
O que procurei por isto em Portugal... mas abençoada internet, que bastaram meia dúzia de clics para isto vir direitinho para a minha colecção.




Tirando satisfação


Alexandre Affonso - nadaver.com

17 outubro 2010

Hipnagógico

Quando estou naquele não estar, só respiro;
aquele, sim, em que tantas vezes me vês
aquele que nunca te sei explicar, eu nego
o que sei uma e outra e ainda outra vez
e rodo, boneca tonta a esbracejar assustada
e faço perguntas ao azul do meu pássaro,
só ao azul porque o pássaro já está cego
tantas penas o cegaram. Morreu. Suspiro,
eu bem sei que também estou ferida
e os dias continuam a passar; os três
cada vez mais despidos da manhã, o logo
cada vez mais nascido das trevas; retiro
a pergunta com medo, eu sei, mas através
dos joelhos no chão logo me vejo puxada
pelos fios das novas matemáticas. Juro
que nada sei e não me largam. O fogo
aponta-lhes todas as paredes e eu, cercada,
acordo bem viva e fugirei para o grande lago,
espera-me lá o meu pássaro azul tão escuro.


«Sonho Cumprido» - por Rui Felício

A Sandra despiu-se lentamente. Primeiro os sapatos, a seguir a saia, a blusa, o soutien, toda a roupa, peça por peça, até ficar nua. Flectiu uma perna, depois a outra, deitou-se de costas, o corpo lânguido, a boca entreaberta, os olhos semicerrados a fitarem um ponto vago e indefinido.
Primeiro os dedos, depois as palmas das mãos começaram a percorrer o seu corpo. A cada toque, o pensamento divagava, os olhos quase se fechavam. Conseguia ouvir a cadência do coração a bater dentro do peito, o prazer inundava-a...
Não resistiu, estendeu o braço e envolveu com a sua mão aquele objecto duro de textura suave, ligeiramente húmido, que sempre estivera ali a seu lado.
Conduziu-o para junto do rosto, sentiu o seu perfume, passou-o pelo pescoço, pelos seios. Fazia-o deslizar em movimentos ondulatórios, ora com maior ora com menor pressão sobre a pele.
Levou-o a descer pela barriga, acompanhando os movimentos das ancas. Escorregou-lhe da mão, já molhado, revestido por um liquido espesso e cremoso. Tacteou avidamente aquele instrumento de prazer e voltou a pegar-lhe, desta vez com mais força.
Agora, fazia-o deslizar pelas coxas. Entreabriu-as lascivamente e levou-o aos poucos até perto das virilhas. Passou-o repetidamente em volta, pela frente, por trás, até que o pressionou demoradamente sobre o sexo e sentiu então o mesmo prazer indescritível que as estrelas de cinema experimentavam.
A Sandra, ainda meio submersa na banheira da sua casa de banho, tinha cumprido o seu sonho.
Não era em vão que nove em cada dez estrelas de cinema usavam o sabonete Lux.

Rui Felício
Blog «Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos»

La langue française... «c'est une pute»

A partir dos 00:57, "c'est la desbunde"!

Há situações levadas da breca

crica para visitares a página John & John de d!o

16 outubro 2010

O Quarto do Vazio - A Pintura

Júlia vivia atormentada. Cria numa vida que não era a dela, com detalhes desfocados pela sua própria inexistência. Júlia sofria demasiado com o pouco que lhe faltava, admirando pouco o muito que estava a conseguir. A orientação dos seus objectivos visava um mundo material repleto de esplendor para lá da janela porta do mundo, razão pela qual continuava a jazer naquela cama espinhosa. Mas paulatinamente, de momento em momento, Júlia alterava os seus objectivos ainda que navegando pelo material. São paixões. São efémeras. É o acomodar do renascer. E a ausência que ela sentia apagava as paixões mas fortalecia o amor. Júlia já tinha iniciado a pintura das paredes do quarto e os vazios estavam a dar lugar ao amor próprio. Já tinha feito algumas investidas para o lado de lá da porta, e até já tinha aberto um pouco a janela, mas ainda não tinha reorientado os seus propósitos. A alcatifa ainda tinha muitas marcas de sapatos, mas começava-se a lobrigar algumas marcas repetidas. De sapatos melhores cujos donos já não queriam diluir a Júlia, mas preservá-la no seu amor próprio. Já não eram clientes. Já eram amigos, parte da sua vida que ajudavam de quando em vez, a pintar mais um pouco da parede. Um deles até lhe ofereceu uns panos que caem do tecto mais transparentes que os anteriores. As ilusões já não são tão privadas nem tão primitivas. Já há partilha. Já existe carinho. Já começa a haver brilho.

Aprendam...

... como diz o Car(v)alho, "que eu... não durmo sempre!"

Linhas

A linha imaginária
torna-se numa volta
sem regresso
de um laço espantado
de tanto se enlaçar.

As linhas encurvam
nas curvas do caminho
e de imaginárias
tornam-se - um dia -
vislumbres de amor.

Quererás voltar
neste laço que o sonho
não perderá?

Poesia de Paula Raposo