Júlia vivia atormentada. Cria numa vida que não era a dela, com detalhes desfocados pela sua própria inexistência. Júlia sofria demasiado com o pouco que lhe faltava, admirando pouco o muito que estava a conseguir. A orientação dos seus objectivos visava um mundo material repleto de esplendor para lá da janela porta do mundo, razão pela qual continuava a jazer naquela cama espinhosa. Mas paulatinamente, de momento em momento, Júlia alterava os seus objectivos ainda que navegando pelo material. São paixões. São efémeras. É o acomodar do renascer. E a ausência que ela sentia apagava as paixões mas fortalecia o amor. Júlia já tinha iniciado a pintura das paredes do quarto e os vazios estavam a dar lugar ao amor próprio. Já tinha feito algumas investidas para o lado de lá da porta, e até já tinha aberto um pouco a janela, mas ainda não tinha reorientado os seus propósitos. A alcatifa ainda tinha muitas marcas de sapatos, mas começava-se a lobrigar algumas marcas repetidas. De sapatos melhores cujos donos já não queriam diluir a Júlia, mas preservá-la no seu amor próprio. Já não eram clientes. Já eram amigos, parte da sua vida que ajudavam de quando em vez, a pintar mais um pouco da parede. Um deles até lhe ofereceu uns panos que caem do tecto mais transparentes que os anteriores. As ilusões já não são tão privadas nem tão primitivas. Já há partilha. Já existe carinho. Já começa a haver brilho.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Uma por dia tira a azia