05 abril 2012
«Querido Diário...» - por Rui Felício
Naqueles tempos de liceu, fazer um diário, foi moda a que grande parte dos adolescentes aderiu.
Não primavam pela imparcialidade nem pela objectividade. Eram mais um repositório anotado ao fim de cada dia, no recato do quarto, antes de dormir, que espelhava episódios vistos sob perspectivas próprias e individuais, raramente validadas inteiramente pelos factos.
Nele ficavam guardados sentimentos, desejos, sonhos, vontades próprias de jovens que tinham atingido a puberdade e começavam a descobrir a vida e as sensações próprias da idade.
Muitos desses episódios ocorriam no caminho que as alunas faziam desde o liceu feminino até ao bairro, no fim das aulas, acompanhadas em grupo pelos rapazes do liceu masculino, que desciam a ladeira do Cidral ou a dos Loios, em louca correria, a tempo de se integrarem no grupo das raparigas que, disfarçadamente, atrasavam a saída do liceu, para darem tempo a que eles aparecessem e as acompanhassem, num namoro virtual e platónico pleno de risinhos e de frases soltas que só os duplos sentidos permitiam desvendar.
Anos mais tarde, tive acesso aos diários da Rita e do Pedro:
Diário da Rita
Coimbra, 09 de Março de 1960
Estou muito feliz hoje! Amo o Pedro há muito tempo, sem que ele até agora tivesse demonstrado se também gostava de mim. Ele é muito tímido, talvez seja por isso.
Mas hoje fiquei com a certeza que ele também me ama. Ao atravessarmos a passagem de nível tropecei , cambaleei e caí para cima dele. O Pedro amparou-me, segurou-me nos braços, para eu não me estatelar na linha. Ficámos abraçados durante um bocado, olhámo-nos nos olhos, apaixonados.
Ele fez uma caricia na minha cara que me arrepiou toda e que ainda agora sinto.
Depois o resto da malta começou a gozar connosco a dizer que já eramos namorados. Corei, envergonhada, mas o Pedro foi um querido. Começou a correr atrás dos outros para me defender.
Foi o dia mais feliz da minha vida!
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Diário do Pedro
Coimbra, 09 de Março de 1960
Odiei este dia!
E agora a malta não se cala, na rua e no Café do Silva, sempre a chatearem-me dizendo que eu gosto da Rita. E que nós até já namoramos!
Deus me livre! Eu gosto é da Luisa, mas essa não me liga nenhuma.
Já reparei há muito tempo que a Rita gosta de mim. Tenho feito tudo para ela desistir. Mas hoje as coisas complicaram-se.
Estávamos todos a atravessar a linha do apeadeiro e ela tropeçou e caiu para cima de mim. Olhámos um para o outro durantes uns segundos mas eu desviei os olhos. Não me apetecia nada suportar o olhar arremelgado que ela me deitava.
Reparei que ela tinha colado na cara um resto da chiclete que estava a mascar antes de cair. Estendi a mão, tirei-o e deitei-o fora.
Ela deve estar a pensar que o que lhe fiz foi uma caricia, mas só foi por simples cortesia.
Como se não bastasse, a malta ria-se às gargalhadas e gritava que já havia mais um namoro no bairro. Corri atrás deles para dar um estalo no primeiro que conseguisse agarrar, para fazê-los parar com aquela cantilena que já me irritava.
Foi um dia horrível este. Talvez amanhã a Luisa me dê uma alegria.
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
04 abril 2012
«respostas a perguntas inexistentes (195)» - bagaço amarelo
Quantas vezes um homem pergunta a si mesmo se ainda é Amado por quem Ama? Muitas. Tantas que às vezes perde a noção e começa a perguntá-lo em voz alta.
O problema do Amor é que não vai lá com conversa. Ninguém se convence que é Amado pela via verbal, mesmo que finja que sim. O amor precisa de pele, de carne e de cheiro. Enfim, precisa do corpo. Um bom vendedor pode conseguir vender um pente a um careca, mas não consegue convencer ninguém da sua paixão. A não ser, claro, que ela exista mesmo. Esse é o problema do Amor, embora também seja a sua maior vantagem.
Todas as mulheres o sabem, os homens é que nem por isso. Um homem que pergunta muitas vezes a uma mulher se ela o Ama é por norma um homem inseguro, uma mulher que faz o mesmo a um homem é uma mulher que gosta de ouvir repetidamente aquilo que já sabe. É segura de si, portanto. Nos dias que correm só gosto do Amor que respira silêncio, que é no toque desse silêncio que sinto a sua certeza.
Outra coisa que as mulheres sabem e os homens não, é que é sempre através das palavras que o Amor decide mentir. Nunca através dos gestos. Talvez seja por isso, aliás, que é contraproducente um homem exagerar na pergunta "Ainda me Amas?". Pode parecer que se está a querer convencer a si mesmo de qualquer coisa. E as mulheres sabem-no.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
03 abril 2012
A olhar para um palácio
O ambiente já estava um nadinha tenso por causa do tema da conversa na altura em que o mais atrasado chegou. Outro dos presentes ruminava a intranquilidade própria de quem sente a testa mais pesada, ainda que em sentido figurado, e partilhava com os restantes convivas a sua dúvida metódica acerca do comportamento suspeito da sua esposa alegadamente infiel. E o rapaz parecia mesmo desorientado, nervos à flor da pele, cada vez mais próximo da verdade que todos em seu redor já haviam bebido das suas conjecturas mais uns emails comprometedores que cuidara de imprimir.
A malta acabou por ler e poucas dúvidas restavam e toda a gente se limitava a fazer que sim ou que não com a cabeça, tentando ao máximo não arriscar qualquer frase que pudesse ser mal interpretada.
Mas o recém chegado não tinha a plena consciência do que estava em causa e aligeirou.
Foi o caos aquilo que libertou quando o macho ferido no seu orgulho lhe perguntou o que achava e o outro, na boa, sorrindo lhe respondeu:
- Mano, eu dessas cenas não percebo um boi.
A malta acabou por ler e poucas dúvidas restavam e toda a gente se limitava a fazer que sim ou que não com a cabeça, tentando ao máximo não arriscar qualquer frase que pudesse ser mal interpretada.
Mas o recém chegado não tinha a plena consciência do que estava em causa e aligeirou.
Foi o caos aquilo que libertou quando o macho ferido no seu orgulho lhe perguntou o que achava e o outro, na boa, sorrindo lhe respondeu:
- Mano, eu dessas cenas não percebo um boi.
Eva portuguesa - «Dúvida»
Não sei que faça...
Está um dia lindo,o sol chama-me a pedir para me aquecer, o mar sussurra o meu nome chamando-me para nele me banhar...
Mas precisava de trabalhar...
A questão é que, se vou até à praia, cedendo aos desejos do meu corpo e da minha alma, posso perder trabalho que tanta falta me está a fazer; por outro lado, se não vou e passo o dia no apartamento fechada, "mofando" e não aparece ninguém, vou-me sentir furiosa no final do dia, deprimida e cansada de nada ter feito, amaldiçoando-me mais uma vez por ter deixado a minha vida em suspenso, em prol da da Eva...
Mas é que normalmente e ultimamente é isso que acontece: se saio, aparece trabalho, que acabo por perder; se fico, nada acontece, a não ser mais um dia de desilusão e desânimo...
Sim, eu sei, parece partida do Universo, ou então é pura coincidência... ou então é mesmo paranóia minha...
Mas a verdade é que estou na dúvida... vou ou fico?...
Se ficar, terei trabalho?...
Se for, perderei trabalho?...
Gaita!
Continuo na dúvida...
Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado
Está um dia lindo,o sol chama-me a pedir para me aquecer, o mar sussurra o meu nome chamando-me para nele me banhar...
Mas precisava de trabalhar...
A questão é que, se vou até à praia, cedendo aos desejos do meu corpo e da minha alma, posso perder trabalho que tanta falta me está a fazer; por outro lado, se não vou e passo o dia no apartamento fechada, "mofando" e não aparece ninguém, vou-me sentir furiosa no final do dia, deprimida e cansada de nada ter feito, amaldiçoando-me mais uma vez por ter deixado a minha vida em suspenso, em prol da da Eva...
Mas é que normalmente e ultimamente é isso que acontece: se saio, aparece trabalho, que acabo por perder; se fico, nada acontece, a não ser mais um dia de desilusão e desânimo...
Sim, eu sei, parece partida do Universo, ou então é pura coincidência... ou então é mesmo paranóia minha...
Mas a verdade é que estou na dúvida... vou ou fico?...
Se ficar, terei trabalho?...
Se for, perderei trabalho?...
Gaita!
Continuo na dúvida...
Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado
Noz com a casca escavada
Não sei se já vos tinha dito que as peças da minha colecção que eu prefiro são, regra geral, as mais pequenas e discretas.
É o caso desta pequena noz num suporte em madeira, proveniente do Japão, a que foi previamente retirado o miolo e em que alguém escavou, com uma minúcia extrema, dois casais praticando algo que lhes deve saber muito bem.
É o caso desta pequena noz num suporte em madeira, proveniente do Japão, a que foi previamente retirado o miolo e em que alguém escavou, com uma minúcia extrema, dois casais praticando algo que lhes deve saber muito bem.
02 abril 2012
Fico melhor de perfil
Sempre achei discriminatória a aversão mais ou menos consensual ao nu integral na sua face masculina. Por algum motivo que me escapa as fotos de coisos agarrados connosco à mostra parecem chocar as (os?) mais sensíveis e eu, santa paciência, só vos digo que as pilas só chocam se ficarem destravadas. Ou se marrarem contra elas, o que me parece ser o caso e já justifica a reacção.
Mas sabemos bem que esta aparente indignação que vai mantendo em aberto uma forma de censura mais do que evidente não passa de (mais) um sacudir do capote a água benta da hipocrisia.
Nem se atrevam a presumir que estou aqui a fazer a apologia da multiplicação das pilas em fotografia, pois não me posso assumir uma pila fotogénica e não aprecio pilas, ponto. Aqui o que está em causa é a tendência irritante para proibir, para banir tudo quanto fuja a determinado padrão e por isso se torna de imediato numa ameaça potencial, num insulto virtual, numa enorme maçada.
Eu sou uma pila recatada, sem ilusões de vir a forrar as paredes de salões de cabeleireiro por esse mundo fora, quando o mundo cair em si e perceber que as pilas fazem parte do conjunto tanto quanto os dedos ou mesmo os seios que aqui e além se vão deixando a descoberto para vender uma mercadoria qualquer. Por isso não reclamo para mim essa liberdade de exposição ao olhar transeunte, até porque nem me acho elegante numa dinâmica badalo.
Contudo, acho que as pilas devem ter uma palavra a dizer quando a sua natureza é serem servidas ao natural, sem o condimento da opacidade a que estamos condenadas fora do circuito clandestino das imagens proibidas ou dos compartimentos fechados onde é permitida a respectiva exibição.
Eu ergo de imediato a voz da minha indignação, mesmo arriscando a que o coiso agarrado a mim não consiga interpretar o meu gesto como uma forma de luta e não como um estado de alerta. Porque é disso mesmo que se trata, de um estado de alerta perante a censura às imagens dos membros meus iguais (ou parecidos, mais pequenos na sua maioria, como é fácil de comprovar...).
Hoje cortam-nos da fotografia, amanhã sabe-se lá onde irão cortar!
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