26 outubro 2012

Política e Pornografia

     Esse texto poderia ser a parte 4 dos pleonasmos, na sequência dos anteriores, porém, há uma diferença na proposta de discutir política e pornografia.
     Não preciso me aprofundar muito ao esclarecer que, para a maioria das pessoas, política é sinônimo de corrupção, picaretagem, populismo etc, enquanto vai além do que muitos podem imagina, pois está presente a todo momento em nossas vidas, enquanto comemos (há quem não tenha o que comer), quando viajamos (os lugares por que passamos, qual meio de transporte utilizamos...), como dormimos (há quem não tenha onde dormir adequadamente), e até no sexo. Já a pornografia, é unânime o seu significado relacionado ao sexo explícito, ao que é tido como atentado ao pudor, contrário à moral e aos bons costumes. Mas, pergunto: o que é mais imoral que a fome, a ganância, a violência, a exploração? É neste sentido que pretendo aqui falar um pouco a respeito da arte erótica e seu papel político.
     Equivocadamente as pessoas entendem que a literatura erótica tem como função primordial excitar o leitor. Esse pode ser um elemento presente em uma obra, mas não obrigatório. Parece estranho, mas já é uma verdade ao entendermos que o que é excitante para uns pode não ser para outros. Imaginemos, por exemplo, os tradicionais filmes pornôs. Nele há uma explícita imagética do desejo masculino, onde o feminino é mero objeto e não tem voz, não é capaz de exprimir seus anseios e ver saciado o seu prazer. Há um machismo presente na maioria dos filmes pornográficos, e aqui creio caber muito bem o nome 'pornográfico". Mas voltando a questão da excitação como sendo ou não sendo o objeto principal da literatura erótica, avalio algumas obras que tiveram como foco assuntos políticos. Cito, primeiramente, "As Mamas de Tirésia" e "As Façanhas de um Jovem Don Juan", de Apollinaire. Mais evidente ainda na segunda obra, o autor expõe sua preocupação nacionalista, em uma época de guerras, em que muitos homens eram mortos, a necessidade do incentivo do pais na geração de filhos, pois um país mergulhado no terror da guerra, com mulheres sem maridos e uma crescente redução da população masculina,  precisava ter uma política em que houvesse um descontrole de natalidade. Contudo, uma leitura superficial, classificaria as obras como textos eróticos com a finalidade da excitação. Pietro Arentino, um clássico da literatura erótica, teve como objetivo principal em seu trabalho, a crítica política e social da sociedade de sua época. Marques de Sade, que teve o termo sadismo originado do seu nome, porém uma origem errônea, por falta de entendimento de sua obra, pois, como alguns críticos afirmam, o trabalho de Sade foi mais filosófico do que literário, trazendo um crítica moral aos hábitos luxuriosos da nobreza e do clero. E como não citar as mulheres atuando em um papel principal, não como personagem de histórias, mas como autoras de obras que incentivaram as mulheres ao seu papel ativo na sociedade. Uma mulher que escrevia simplesmente não era lida. Usavam então pseudônimos masculinos (até há pouco tempo mesmo homens tinham de usar pseudônimos para publicar obras eróticas). John Stuart Mill, escritor e filósofo liberal, escreveu o livro "A Sujeição das Mulheres", em que atacou o pensamento machista que afirmava que as mulheres eram naturalmente incapazes de realizar certas atividades. Mas, é na obra de uma mulher que o movimento feminista vai se inspirar: "O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir. Na literatura, uma das mais famosas escritoras que espalhou ao mundo másculo e bélico a sexualidade feminina foi Anais Nin, deixando claro que mulher também queria fuder. Alguns aspectos são muito importantes em sua obra: tanto a linguagem utilizada, muitas vezes considerada de baixo calão pelos moralistas, como suas histórias que ainda hoje fazem as pessoas ficarem boquiabertas.
     No cinema, considero Tinto Brass o melhor cineasta na temática erótica. Foi capaz de fazer filmes com cenas de sexo absurdamente explícitas, às vezes mais fortes que em muitos filmes pornôs, mas deixando por trás de toda essa orgia o questionamento político. Mas a ignorância e hipocrisia da nossa sociedade ainda coloca a mulher como um objeto, ainda rejeita a sua sexualidade. Numa sociedade, como a brasileira, onde juízes, senadores, deputados, desembargadores etc., fazem suas orgias (sexuais e corruptas) dentro dos órgãos públicos, mulheres, como a advogada Denise Rocha (exonerada do seu cargo de assessora do senador Ciro Nogueira, que a demitiu após surgir na internet um vídeo em que ela fazia sexo) , são chamadas de putas.
     Abaixo, reescrevo uma parte da entrevista de Erika Lust para a Revista Marie Claire, cientista social e produtora de filme pornô cujo público alvo é a mulher, questionando a tradição de filmes produzidos para os homens:

Marie Claire – Você estudou ciência política na Universidade de Lund. Existe alguma relação entre o que você aprendeu na academia e seu trabalho atual?
Erika Lust - Total! É triste dizer, mas o sexo ainda é um assunto muito político: tanto quando falamos sobre as leis que regulam a produção e o consumo de pornografia, quanto na negociação dos assuntos públicos com a vida privada. Às vezes me sinto como um político quando eu estou representando uma pornografia alternativa, e espalhar uma mensagem feminina positiva da sexualidade, só porque eu estou mantendo uma imagem pública e tomando parte em um discurso social. Meu curso certamente me ensinou muito sobre a negociação, o pensamento crítico, e a relação entre governo e sociedade. Mas foi meu foco especial em feminismo que influenciou minha visão de mundo e, mais tarde, a direção que o meu cinema tomaria.

MC – E quanto às mulheres que gostam de sexo anal?
EL - Eu tenho evitado usar cenas de sexo anal, não só pelo fato de que mulheres não gostam (até porque, certamente, existem mulheres que apreciam) mas por ser algo obrigatório na indústria pornográfica convencional. Ao apelar para um público que quer algo diferente do que havia em pornografia até então, eu tento criar novas cenas e diferentes formas de sexualidade.


Obscenatório