22 setembro 2007


Como a raposa no livro do príncipe que primeiro leu em pequena, começou calmamente a vestir o seu coração. A acalmá-lo, a sossegá-lo, a explicar-lhe que era apenas um fim de semana e que um homem é igual a outros homens. O coração, enquanto se vestia, ia contrapondo, que não, que não era bem assim, que se lembrasse do quanto procurara o Vítor e em nenhum outro homem o encontrara. Teimosa como era, deixou o seu próprio coração a falar sozinho e passou a tratar do seu corpo. O banho demorado, a depilação cuidada, o hidratante cuidadosamente aplicado, o perfume dos dias que se desejavam bonitos, a lingerie escolhida para não ser demasiado óbvia, a roupa preta que a fazia sentir-se em casa, onde quer que estivesse.
Viu-se ao espelho. Com o passar do tempo, ia dando por ela a lamentar que os homens que ia conhecendo não a tivessem conhecido quando era ainda firme, lisa, virgem de ressentimentos e desconfianças.
Sacudiu o cabelo como quem quer sacudir anos de peso e escolheu as botas. Agora sim, era uma guerreira a postos, temerária, invencível.
Os passos tremeram-lhe quando começou a dirigir-se para a porta, quando iniciou o caminho que a levaria aos braços do homem, mas fingiu que não reparava.
Dele visualizava retalhos, as mãos (lembrava-se delas no seu peito tímido, nas suas coxas, apertando-lhe as nádegas), os olhos (via-os brilhantes, na luz trémula do cais, embalados pelas ondas do rio), a voz (ouvia-o sussurrar-lhe o prazer, o desejo, a vontade e a surpresa), a nuca (sentia-lhe a pele quente e suada quando os seus beijos se iam afastando da boca e procuravam o outro todo que era o homem).
Saiu de casa deixando atrás de si todas as imagens, memórias, histórias e desencantos.
Aquele homem era agora, ele apenas, ela apenas, nada mais caberia na cama onde se deitariam ansiosos, sedentos e surpreendidos. A noite, apenas essa. Sem pressas, sem planos, sem expectativas. O prazer. Puro. O prazer do sexo que aos poucos lhe ia descobrindo. O prazer dos risos leves. O prazer da pele dele na sua. O prazer que lhes iluminaria o sono, depois de cansados e saciados.
Fechou a porta de casa e a farda de guerreira já lhe pesava.

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