08 setembro 2011

A prostituta azul (XVII) - Perdoa-me

Tu chamas-te Azul e és azul. É por isso que aqui venho, para encontrar essa coerência. Todas as pessoas deviam ter nomes iguais às suas cores: quando as pessoas têm nomes iguais às suas cores, tudo é tanto verdade que os seus corpos são translúcidos. Não, não é que eu queira ver o teu interior, tudo é terrível nas entranhas humanas, tudo é terrivelmente nítido, talvez ainda mais nítido nas pessoas opacas. Gosto de olhar os teus olhos e ver, através deles, os contornos da porta. Gosto de olhar o teu peito e ver, através dele, o contorno das janelas. Gosto de ver, através de ti, atrás de ti, tudo o que são saídas, que são saídas de ti, e que posso fugir de ti. Sei que nunca me verei através de ti, porque não posso estar atrás de ti e à tua frente, a olhar-te e a ver-me, no mesmo instante; sei que nunca serás um espelho, sei que posso fugir de ti. Eu chamo-me António e parece-me que sou cinzento. Mas as pessoas chamam-me vários nomes diferentes todos os dias: Doutor, Engenheiro, pai, primo, Professor, colega, irmão, amarelo, vermelho, dourado, lilás... Se me chamassem, pura e simplesmente, cinzento, tudo isto se evitava, a verdade é translúcida, tudo o resto são apenas espelhos: a luz não trespassa, reflecte. Assim, gostam mais ou menos de mim conforme gostam mais ou menos de si próprios. Já ninguém é apenas o que é - somos todos apenas espelhos desde que nos resolveram chamar todas essas coisas que não são a nossa cor. Quase fico ali, imóvel, vencido perante tanto azul, mas o tom muito rosado dos teus mamilos, em contraste, a tua única cor diferente, a nódoa do teu desejo, sugere-me duas ilhas, e lanço-me sobre a jangada do teu corpo que balança, balança, só azul a toda a volta, até nos devolver a terra firme. Gostava de ter papelinhos azuis para te deixar mas só tenho papelinhos coloridos de feio, perdoa-me.

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