02 abril 2013

Excerto de «As Luzes de Leonor», de Maria Teresa Horta

"Leonor olha-se atenta, permitindo que as mãos passeiem, indecisas, por sítios até aí interditos, reconhecíveis apenas pelo tacto esquivo; lugares que os dedos têm evitado e agora descobrem, desvendam, com uma curiosidade sôfrega, prestes a ceder ao insistente desejo. Com acanhamento afasta devagar as virilhas que mal desviadas logo cedem a entreabrir-se, deitando-se ela tremendo na cama estreita, a perceber espantada que, apesar do inverno antecipado no frio de Outubro, o seu corpo escalda, queima, palpita, estremece, e pela primeira vez lhe escapa.
Instintivamente acaricia o velo de cedro penumbroso, bosque arruivado a ensombrar-lhe o cimo das coxas; curva-se de novo e, admirada, vai tão longe quanto pode na abordagem tímida dos lábios de anil da molhada boca do seu ventre. A separá-los: penetrando, afagando-os, a sentir nos dedos uma humidade lenta, um orvalho dolente, uma resina turva.
Ali, onde há sucos e gosto sem ferida.
Ali onde há fenda, há céu, há mar.
Mato de se perder na busca da vertigem, no assombro da ousadia do acto; gosto e travo a rosa insatisfeita, odor de chuva, de cardo, de almíscar. Perfume de nardo a desatar-lhe os nervos, enquanto persegue o improvável mapa do delírio: mais acima a mina, e logo abaixo o poço.
Modorra de papoila a florescer no alto, a entumescer ao tacto.
Prazer diverso e gozo que a muda, e ela transgride, voa, cresce. E tanto no clítoris como na vulva, o bordado a cheio vai-se enredando, matizando, vai-se demorando nas caprichosas cores, nos desenhos, nas misteriosas linhas de agulha onde se enleia. Veia que o fogo entorna, toma e incendeia. Na procura do êxtase.
E Leonor ondeia.
Rola enovelada em cima do leito onde se distende, roda e cede a galgar o parapeito de si própria, deixando a razão apagada à cabeceira.
Rodopia.
Resvala.
Mãos descendo e subindo, indo e vindo, na descoberta dos desvãos, do topo, dos secretos recantos de segredo, em todos os lugares e tempos que o orgasmo guarda.
Entorna.
Grita e explode.
Gemendo sob o pulso que lhe amordaça a fala pelo próprio avesso. Assim leve, assim solta, assim livre, Leonor corre, voa, nada, desvenda.
E finalmente foge.
Consigo mesma."

in "As Luzes de Leonor", de Maria Teresa Horta