07 fevereiro 2015
«No banco de jardim» - por Rui Felício
Saiu do escritório, exausto depois de um dia de trabalho intenso.
Antes de ir buscar o carro, deu uma volta pelo jardim, desapertou o botão do colarinho, aliviou o nó da gravata e sentou-se na ponta de um banco de ripas de madeira pintada. Puxou de um cigarro, acendeu-o lentamente fitando um ponto impreciso na folhagem das árvores. Quando chegasse a casa, em vez de paz e sosssego, sabia que iria ter de ouvir o falatório ininterrupto e estridente da sua mulher sobre os mais corriqueiros e desinteressantes problemas. Temia e adiava o regresso a casa.
Absorto nos seus pensamentos, apercebeu-se de uma mulher bonita, calma e despreocupada que acabara de se acomodar na outra ponta do banco.
Trocaram um olhar fugaz e um sorriso de circunstância.
Calmamente ela ia desembrulhando um chocolate, devagar. Tão devagar que ele teve tempo de acabar de fumar o cigarro e acender outro, antes dela trincar o quadrado doce que destacara da tablete. Aliás, antes de o morder, ela meteu-o na boca e lambeu-o demoradamente sugando deliciada a massa doce, viscosa e acastanhada que lhe ia pintando os lábios e sensuais. Ele ia formando habilidosamente com a boca pequenas auréolas de fumo, mirando-a, embevecido com a calma e o silêncio daquela atraente mulher.
Não articularam uma palavra. Apenas um ou outro sorriso quando os olhares se cruzavam.
Lânguidos, calmos, num halo surreal que parecia envolvê-los...
Fumou o segundo cigarro até ao filtro, espezinhou, com raiva, a beata no chão empedrado e preparou-se para ir.
Ao soerguer-se, ouviu a voz melodiosa, suave e quase sussurrada daquela mulher:
- Porque não fica mais um pouco?
Já lá vão uns anos. Até hoje nunca mais voltou para casa...
Rui Felício
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