10 abril 2015

«Ladrão de beijos» - João

"Atrás de ti só a parede. Há sempre uma parede, vês? Parece um fetiche qualquer. Mas havia uma parede, e a porta encostada, devagarinho, para não fazer barulho. E o teu corpo pressionado contra o edifício que nos segurava, suspensos no ar, a metros do chão, a metros das outras pessoas. Pressionava-te eu, encostava-me eu a ti. Roubei-te beijos, fui ave de rapina. Havia escadas. Também havia escadas. Havia sempre escadas e um pedacito de privacidade fugaz, e roubei-te beijos. Roubei-te muitos beijos. Ao sol, à chuva, devagar e com pressa. Desculpa se não sei beijar de um modo que aproxime o Sol de nós, desculpa se não tive tempo de aprender, se não me pudeste ensinar. Tive de fazer outras coisas, e tu viste tão à frente, e eu lembro-me de me surpreender com sugestões de não fazer um almoço, fazer antes um jantar, mais tarde, agora não, mais tarde, ao final do dia, mas tu viste tão à frente, e eu tão cego. Beijo-te depois, ensinas-me depois, com parede ou sem parede, a metros do chão ou deitados a ondular com a água e o vento, a subir ou a descer escadas, não importa. Roubei-te muitos beijos, mas não precisava, porque estavas sempre ali para mos oferecer. E às vezes, às vezes quando chegava já as trancas estavam caídas no chão. Assalta-me, parecias pedir. Rouba-me os beijos todos. E eu fazia-me malandro. A maltratar uma donzela indefesa, que só tinha amor para dar, nas mãos, na ponta dos dedos que me buscavam, num ronronar ao Sol que entrava diagonal e traçava linhas no chão e curvas em nós. De todos esses beijos que roubei, nem um vendi, nenhum ofereci, guardei-os todos."

João
Geografia das Curvas