É tão bom não te esquecer, ter na pele a confirmação do nosso Amor na memória de um toque que, ainda que efémera, é a única confirmação possível de qualquer Amor. É tão bom tudo o resto ser a incerteza de sempre e ser apenas nela que vivo. Mesmo a de quando não precisava de me lembrar de ti.
É tão bom seres tu este vento outonal que me faz apertar os colarinhos do casaco logo de manhã, enquanto aqueço as mãos numa chávena de café quente e ouço as conversas dos outros. Uma criança a apontar o dedo para um pastel colorido na vitrina e o pai à procura do jornal nas mesas do café, uma mulher a contar as moedas para saber quantos pães pode comprar e um homem já embriagado a falar dos atentados em Paris. A vida é uma palermice sem ti.
É tão bom seres a mulher que trava bruscamente para me deixar passar na passadeira e que me sorri por trás de um pára-brisas escurecido, morreres-me a cada cinco minutos num suspiro perdido ou num olhar solitário. É tão bom saber que todos os olhares que se cruzam na cidade são olhares de pessoas sós e que o meu se lembra de ti.
Uma poça de água a beijar o alcatrão sujo, por exemplo, é o toque húmido dos teus lábios na minha pele. Fico a vê-la ondular, depois de uma motorizada ruidosa me cortar o pensamento, e transforma-se no mar de Verão onde tu molhaste os pés.
Vou só molhar os pés, disseste. E eu na toalha vermelha, derrotado pelo Sol, à espera do teu toque outra vez por um segundo que fosse. A incerteza no Amor é a certeza de que a qualquer momento me podes tocar outra vez e, mesmo que nunca o faças, é tão bom não te esquecer.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»