17 dezembro 2016

«O Conde de Aguilar» - por Rui Felício

Era certo e sabido. Cada vez que vínhamos a Lisboa à boleia para no dia seguinte à tarde assistirmos a um encontro de futebol entre um dos grandes e a Académica, percorríamos a via sacra que nos habituáramos a conceber, na nossa não assumida ignorância e provincianismo, perdidos na grande e feérica cidade capital.
As capas esvoaçando, calcorreávamos a Avenida da Liberdade, o Rossio, a Praça da Figueira, a Rua Augusta e o Terreiro do Paço. Bebíamos uma "imperial" no Café Martinho. Criticávamos a falta de qualidade da cerveja comparando-a com a Topázio de Coimbra, que era de longe a melhor de todas...
Petiscávamos no Comibebe, sorvíamos um "eduardinho" na Rua do Coliseu, uma "ginjinha com elas" no Largo de S. Domingos e um "pirata" nos Restauradores. A explosiva mistura não tardava a produzir os seus efeitos.
A grande apoteose estava porém reservada para o Ritz Club, perto do elevador da Glória. Ali encontraríamos as mais belas mulheres, algumas de cerrado sotaque espanholado, que nos davam a sensação de com elas dançarmos lascivamente na cosmopolita Madrid.
«Coelho punk e sapo aflito»
Estatueta em resina que esteve
exposta no primeiro Salão
Erótico de Lisboa, em 2005
Colecção de arte erótica
«a funda São»
Naquele antro de perdição, por mais do que uma vez vi actuar altas horas da madrugada, o ilusionista Conde de Aguilar.
Estava já na sua curva artística descendente, depois de anos e anos em que chegou a atingir o apogeu com espectáculos em Paris, Madrid, Coliseu de Lisboa...
Vestia-se com capa de cetim negro, chapéu alto, papillon, a indispensável varinha mágica e um lenço branco desdobrado, na mão que a segurava. Fazia os truques mais comuns, com cartas, flores, lenços, bolas, pombos....
Todos culminavam com a frase que era a sua preferida:
- Isto é extraóooordinário -  martelando as sílabas e acentuando prolongadamente o “óooo”... - Isto não é magia, meus Senhores, isto é ilusionismo. Em tudo há um truque, uma ilusão...
Deixava para o fim aquele que ele considerava o mais espectacular: fazer sair um coelho da sua cartola que previamente mostrava completamente vazia, elucidando: - Esta cartola é como um ventre materno. Das suas entranhas vai sair a vida que a varinha vai gerar!
Mas uma noite houve em que o Conde de Aguilar não conseguia fazer o coelho aparecer. Ele bem enfiava a varinha na cartola, tentando reproduzir o mistério da criação, mas nada!...
Alguém da assistência coimbrã, vendo a dificuldade do Conde de Aguilar, “ajudou-o”:
- Oh Conde, você já meteu a sua vara na cartola várias vezes... Agora tem de esperar uns nove meses, não sabia disso?

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido