Ela tinha um gato que eu nunca vi. Sempre que a visitava perguntava-lhe por ele, mas ela dizia que em Lisboa é normal os gatos frequentarem os telhados dos edifícios dos bairros antigos. Cheguei à conclusão que ele só entrava em casa para comer e saía logo outra vez. De facto, na cozinha havia sempre uma taça com comida e outra com água.
- Como é que podes ter a certeza que é o teu gato, e não outro, que vem cá comer?
- E se for outro, isso incomoda-te?
Era Domingo e eu tinha chegado apenas no dia anterior. Como é que numa relação onde só nos víamos ao fim de semana já se notava um desgaste tão grande? Pensei na pergunta, mas engoli-a imediatamente, para não provocar uma discussão.
- Se queres ter sexo antes de ires embora tem que ser agora. A seguir tenho que estudar...
- Esta semana estava a pensar ir só amanhã...
- Então deixa estar. Temos logo à noite.
Se ela ia estudar, eu tinha a porta aberta para me perder em Lisboa. Dei-lhe um beijo seco nos lábios e saí. É, sem dúvida, uma das cidades que eu gosto de visitar e revisitar, Lisboa. Nunca me canso de tentar perceber o labirinto de ter muitas cidades pequenas numa cidade grande. Talvez Lisboa seja um bocadinho como a minha vida, uma cidade onde me posso perder, mas onde também me posso aconchegar num pequeno bairro qualquer.
De qualquer forma, aquela tarde foi diferente. Passei-a a olhar para os telhados a ver se descobria algum gato. Vi vários e cheguei à conclusão que ela podia ter razão. Fiquei cinco minutos a olhar para um que, empoleirado no ferro enferrujado duma varanda, me fitava também. Era cinzento com riscas mais escuras. Enfim, um gato normalíssimo que só me despertou a atenção por estar a olhar para mim. Tinha uma coleira vermelha.
Nesse fim de tarde decidi que não fazia sentido voltar a Lisboa tão cedo para a visitar e acabei por apanhar um comboio para Aveiro. Estava farto de morrer de Amor ao Domingo. Não lho disse logo. Planeei telefonar-lhe na quarta-feira para a informar da decisão, o que acabei por não fazer. Por isso mesmo, a última conversa que tivemos foi sobre o gato dela.
- Conheci o teu gato. Estava na varanda dum prédio ao cimo da rua...
- Como é que sabes que era ele?
- Incomoda-te se for outro?
E saí. Ela também nunca mais me telefonou.
bagaço amarelo
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