08 janeiro 2017

«sexo» - bagaço amarelo

Encostei-me a uma nuvem e a nuvem eras tu, com a tua voz trémula a perfumar-me e o teu corpo a fechar-se em concha. Primeiro não percebi muito bem o que é que os teus braços finos queriam, se afastar-me ou se abraçar-me. Depois concluí que tu própria também não sabias. Quando é assim, são os braços que mandam e não nós. Eu obedeci-lhes com receio.

- Sabes que eu tenho quase mais vinte anos do que tu?
- Hum...

E os teus braços a tentarem dar um nó cego em mim. Nunca to disse, mas o meu maior medo era partir-te. Quebrar-te em dois como se quebra, por exemplo, o esparguete antes de o cozer. Foi por isso que hesitei e te penetrei devagar, colocando as mãos a salvo do resto do teu corpo. Estavas tu a suar Amor e eu a Amar suor. Éramos só um quando te percebi a chorar.

- Queres que eu pare?
- Anda!

E eu fui.
Não to disse, mas os teus dedos frágeis pareciam pincéis a pintar-me em Pontilhismo quando me tocavam no rosto, com pequenas e indeléveis manchas Impressionistas. Nunca ninguém me tinha pintado antes, nem eu sabia que o Impressionismo partira do sexo com medo. Se eu soubesse, tinha-te explicado que não sou propriamente uma tela em branco. Foi a vida que me fez assim, em tantas pinceladas sem nexo que eu próprio não sei quem sou.

- Anda! - Tu outra vez...

Uma hora antes estávamos no teu bar habitual, com a tua cerveja habitual e os teus amigos habituais sentados na mesa ao lado. Cumprimentavam-te de forma a que eu os pudesse ouvir bem e tu respondias de forma a que eu não te pudesse ouvir de todo. Apeteceu-me dizer-te que és bonita, mas esse está longe de ser o maior elogio que te posso fazer. Calei-me.

- Gostas de David Byrne? - Perguntaste.
- Sim. Quando tu nasceste eu tinha dezoito anos e já ouvia Talking Heads...

Tinhas-me pedido para fechar a persiana do teu quarto e, em abono da verdade, só conheço o teu corpo por gestos. Nunca o vi, mas imagino-o agora numa pintura que descansa no meu peito e me pergunta pelo futuro.

- Não te metas nisso. Vai correr-te tão mal. Lamento.

E tu a abraçares-me mais.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»