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22 março 2020

«por dizer» - Susana Duarte




há um poema que não foi escrito,
e uma flor por nascer

entre mil olhos sem palavras,
o rosto ambíguo da vida
devolve os sentidos

e as palavras sem eco

ficam, então, por dizer, os rostos
dos amantes e os dedos
das mulheres - tão ambíguas
como a vida cujo rosto
escreve poemas



Susana Duarte
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08 março 2020

«saúdo» - Susana Duarte

saúdo os nossos desencontros,
como saúdo a poesia.

saúdo a nossa história, geografia
ambivalente de manhãs
falhadas, lúgubres de solidão,
ensimesmadas e salientes

por entre os ossos

(simples e quietos), de corpos
geograficamente paralelos

[desencontrados e subitamente
nossos, como as partículas
poeirentas da minha voz].

saúdo o nosso encontro,
finito e desenhado na noite
terna dos madrugadores
de então.

(Poema dedicado)

Susana Duarte
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01 março 2020

«vaga possibilidade» - Susana Duarte

[sussurrar palavras
no eco do silêncio]

de retorno, apenas
a vaga possibilidade

Susana Duarte

(a poesia não resolve os problemas humanos, mas faz com que a beleza do mundo seja maior, sobretudo quando somos gratos pela beleza humana, se somos confrontados com a necessidade de a encontrar. Estou rodeada de pessoas bonitas)

Susana Duarte
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23 fevereiro 2020

«Mágoa» - Susana Duarte

(ouvindo «Corpse Bride, piano duet»)

acendeste mágoas onde os seios descansam

amas como as metáforas das romãs,
e sabes ainda a noite,

e sabes a dia, e sabes às manhãs ígneas
da abertura dos olhos e das nuvens brancas.
acendeste mágoas, e por isso, sabes aos dias
de antes, e ao esquecimento, depois.

sabes às dores do peito, incendiado pela solidão das noites, onde as sacerdotisas nasciam, fluxos de terra, e de seiva, e de luz. sabes a tudo,
e sabes a mágoas acesas pelo fluxo
da noite.

acendeste as águas do ventre, que depois calaste amas como as rubras
manhãs do desejo, e sabes às maçãs colhidas no arco da primavera;

revejo-te, obelisco erigido em mim,

culto das manhãs onde te espero.

Susana Duarte
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16 fevereiro 2020

«há um nome» - Susana Duarte



há um nome
para todas as coisas.
há um nome

para os voos errantes,
e para as aves trepadoras,
e para as mulheres aladas.
há um nome

para as ondas sobressaltadas,
e para as névoas. há um nome
para as coisas cujo nome
não creio saber, e para ti.
tu, cujo nome não pronuncio,
existes, todavia, onde as marés
alcançam a solenidade do sol e
derrotam as angústias
calcificadas nas vertentes
incorpóreas das palavras,

e dos nomes, que não ouso dizer.

Susana Duarte
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09 fevereiro 2020

«palavras interditas» - Susana Duarte

por todas as sílabas
recitadas em madrugadas
planas;

por todos os poemas
silabados na segmentação
dos sonhos,

e por todas as noites
rasas da existência,

recito a litania
inesperada
dos teus nomes,

e acendo a noite rara
das palavras
interditas.

Susana Duarte
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02 fevereiro 2020

«totem vivo» - Susana Duarte

preciso do silêncio,
das aves

e da solidão nomeada
pelas sílabas
largas

do vôo por fazer.

preciso da sombra que nasce
da insuspeita asa
da árvore

que traduz o ar
e perpetua a vida.
preciso, enfim, da asa branca
das névoas quando o mar
incendeia as arribas,

derruba os fósseis
e reencaminha o ímpeto de viver.

é sobre o totem vivo
da tua vontade que me ergo.

diz-me onde estás.
Susana Duarte
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26 janeiro 2020

«é no teu corpo» - Susana Duarte

é no teu corpo

que incendeio o verbo e colho
a tempestade das mãos

descubro, nelas, o restolhar
das luzes secas as palavras

e o corpo,

o meu, na memória nua
com que te deito os braços
e me cubro

e vivo.









Susana Duarte
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Fotografia: Neil MacDade

19 janeiro 2020

«cabem...» - Susana Duarte

cabem todas as vozes
no peito ávido dos olhares
trilhados pelos caminhos longínquos
e pelas ondas.

cabem todas as mágoas
nos olhares das aves, e todas as aves
nos olhares das mulheres.

no desassossego do voo,
existes tu, folha caída de uma árvore
sem raízes. existes onde as águas
desassossegam o mar líquido
do ventre, e as folhas
perenes agitam
as sombras.

não existe nada, para além das aves,
e das ondas, e das sombras...
talvez existam as memórias,

as folhas caídas e
o que fomos ontem:. um homem,

e uma mulher - atraídos pelo vôo
das palavras que, por serem ditas,
soavam a eternidade.

Susana Duarte
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12 janeiro 2020

«voo» - Susana Duarte

voo
-talvez-

no voo abrupto

das aves
melancólicas,

e nas fragas
por onde

rolam sonhos,
antigos

como as brumas.

Susana Duarte
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05 janeiro 2020

«um dia» - Susana Duarte

um dia, esquecer-te-ás do meu nome:
lembrar-te-ás que nos conhecemos
no lado solar de uma estação de comboios,
por entre passos soletrando a solidão. clamarás o nome antigo das horas passadas
no silêncio dos corpos, e serás triste
como os olhos que deixaste.

um dia, esquecer-te-ás de que fomos
um, tropeçando nos dedos como quem ri,
e nos corpos como quem tem fome
e sede e desespero, ou a impressão
digital de lutas antigas; ainda te lembrarás
das palavras, mas nada terá o sal e o sangue
e o fogo dos dias tornados perenes
num seio frio.

partiste e, como quem parte,
deixarás para sempre os lábios de outrora,
interditos como as auroras que viste
nascer; serás sombra, e pó, e o piar das aves
sem sonhos, ou um vôo sem plúmulas.

serás, enfim, a sombra do sonho e o uivo
negros dos olhos-os meus- que fechaste
numa tarde inícua, naquelas linhas escritas
a ferro, onde as lágrimas não bastaram.

Susana Duarte
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15 dezembro 2019

«o lugar onde morre o poema» - Susana Duarte

o lugar onde morre o poema,
é o da tua partida lenta,
inominável

(o poema violento, a crucificação
do amor vivido).

o lugar da morte em vida
(ausência das pequenas-mortes
vívidas do aurorescer)
é aquele onde inflorescem
os dedos; a salvação reside
nas noites que, todavia,

tardam em renomear o silêncio

Susana Duarte
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08 dezembro 2019

«naufragado» - Susana Duarte

desfaz a água caída
sobre o ventre,
conduz as luas à queda

abrupta

sobre as vertentes úmbrias,

e liquefaz as certezas,
transformando-se em algoz

de si mesmo,
isolado, desolado, perdido
e naufragado nas palavras
ausentes

Susana Duarte
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01 dezembro 2019

«és» - Susana Duarte

és como as flores ausentes
de todas as primaveras
anteriores: o mar de pétalas
que desconheço. és, ainda,
a vaga impressão digital
sobre os ombros - a trémula
navegação do frio sobre
a pele incerta que me cobre
os dias. és a névoa húmida
que percorre os olhos, nos dias
ávidos de saber o nome
das entranhas, dos poros
e da celeridade das noites.

Susana Duarte
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24 novembro 2019

«(gostava que ouvisses a tua voz)» - Susana Duarte

gostava que ouvisses a minha voz
por entre as costelas ásperas dos dias
e as ondas largas da paz
anunciada pelas orlas marítimas

(gostava que ouvisses a tua voz)

se ouvisses a tua, e a minha voz,
saberias dos vôos longos das aves,
dos albatrozes e da areia salgada
da pele onde te deitaste um dia

creio, porém, que nada sabes das marés
que me habitam as veias, e os cabelos,
e os nós inscritos nos ossos dos dias

(gostava que ouvisses a tua voz)

as ondas sobressaltadas seriam,
então, mais do que apenas a sombra
que vejo ao meu redor, e que encontro
(fantasmática) como a tua voz,
em cada uma das manhãs do meu nome

Susana Duarte
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10 novembro 2019

«caminho» - Susana Duarte

aqui respiro improbabilidades
[como sombras pacatas
erguendo os seios da noite]

e desfaço os laços brancos da noite
[onde me separo das águas
e caminho para sul]

caminho para sul, e invento
pardais, e o sol do tempo
inventa-me a mim
[construindo-me rocha, e névoa,
e sede sobre a terra]

Susana Duarte
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03 novembro 2019

«antevi as mágoas» - Susana Duarte

antevi as mágoas, por entre as palavras:
o voo raso das aves entreteceu os dias
sobre a pele gasta. antevi as névoas
entre os momentos sombrios da tua boca.

não antecipei, todavia, a partida,
a morte lenta das frases, o poema
quebrado na raiz das árvores,
as areias dispersas da tua vontade,
ou o rumo sem rumo dos corpos;
a vontade etérea da tua boca, a palavra
dispersa do pensamento, e a vaga
sombra que terminava o teu sorriso.

o voo raso das aves espalhou a sombra
breve sobre os meus braços, e a vaga
que daí nasceu sobressaltou-me
as pernas, aprisionou-me os braços,
deteve-me as palavras. assisto, sombria,
ao que dizes. estranho-te o voo. nada
sei de quem foste. de quem és. de quem
terias sido, caso o voo fosse aberto,
levado por vagas de ar, por ondas
ou por totens localizados no peito.

Susana Duarte
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