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27 outubro 2019

«é breve» - Susana Duarte

é breve o sussurro,
tanto quanto a gota de chuva que invade
a noite.

é breve a noite das mulheres,
e as suas asas são tão curtas
como as horas

e as tréguas.

Susana Duarte
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20 outubro 2019

«não tenho mais palavras» - Susana Duarte

não tenho mais
palavras

[esgotaram-se
as coisas por dizer]

sobram as serranias
do peito, e as imagens
de tudo. ondas revoltas
do ventre, e de todas
as frases incompletas

[onde acreditava ser
mais do que ausência]

Susana Duarte
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13 outubro 2019

«há um lugar» - Susana Duarte

há um lugar, oculto no corpo
das mulheres, onde se perdem
as ondas sobressaltadas pelo vôo
enigmático das aves
que as habitam

é o lugar das rochas, aquele
onde os olhares endurecem
quando os anos devolvem imagens
de outrora, e as mulheres entendem
o não-retorno das asas, rémiges
da sua existência de interditos.
há um lugar desconhecido nos braços
das mulheres. são os mistérios
que as habitam, que as movem,
e lhes ditam o vôo.

Susana Duarte
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06 outubro 2019

«as marés» - Susana Duarte

as marés falam dos dias de antes,
de manhãs ancoradas no corpo
e de silêncios.

falam de outras épocas, de dias
em que as ondas ainda significavam
voos de navegantes
e cantos lunares
das sereias.

ocultas das areias, cantavam
a luminosa idade,
e a paixão
de ser único e indefinível,
como o enamoramento

e o luar.

falam do que não sei,
e do que não sou. são marés bravias,
as que dizem o meu nome-

-se nome tenho, é o do algaço
deixado na praia.
estendido e vivo

como as marés que desconheço.

Susana Duarte
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29 setembro 2019

«na procura» - Susana Duarte

na procura salgada
da solidão,
navegam memórias
onde reinam silêncios:

se todos os silêncios
que conhecem o sal
moverem as águas,
as ondas conhecerão
a língua das mulheres.

Susana Duarte
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22 setembro 2019

«foste» - Susana Duarte

agora que o silêncio permite ver
o tamanho das mágoas,
segue-se uma nova
madrugada.

foste a aurora prometida, onde
hoje reside apenas a memória.
foste a abertura dos olhos,
onde as aves dispersas
pediam voos novos;

foste, na manhã, a promessa
antiga. ao silêncio de hoje,
entrego as promessas
e os passos perdidos.

agora que o silêncio permite ver
o tamanho dos corpos,
sigo o caminho
desenhado pela deserção
dos braços. permaneces onde
as sombras caminham.

desapareces dos dias
como, nas noites, transformaste
a tua presença na névoa
ambígua das bocas
sem voz. o silêncio
de hoje desenha a amplitude
de um céu novo-

quimera desenhada
num corpo por cumprir.

Susana Duarte
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15 setembro 2019

«plúmulas insubmissas» - Susana Duarte

soltam-se, das aves, as plúmulas

insubmissas
que descreveram margens
de rios outrora
ocultos.

desfazem-se nas madrugadas
transparentes,
sonoras como os ecos
de todas as ausências
com que me escreves
nos ossos,

doridos e insubmissos
como as plúmulas,
ocidente de todos os desejos.

soltam-se, e desfazem-se,
as plantas ocultas do voo das aves.

lá, onde o ocidente se atreve
a circunscrever oceanos,
todas as ondas não bastam

para conter a fúria
do voo.

Susana Duarte
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08 setembro 2019

«arredio» - Susana Duarte

passar a curva suave das asas
e permanecer orvalho sobre
as sombras fósseis
do olhar,

(arredio como as aves),

seria ostentar a suavidade clara
de manhãs antigas,
circunscrevendo
os limites

da água,

e despojando dela
a sombra oculta do sorriso
nunca dado,
quimera ou totem de um tempo
que foi, apenas, na mente.

Susana Duarte
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01 setembro 2019

«insaciáveis» - Susana Duarte

escrevo a sede sobre a pele,
onde desenhaste água e frutos.

não sei onde estás,
fendida a rocha de onde nasciam
as águas, e as manhãs
do corpo

(onde?)

escrevo a sede nos meus lábios,
e procuro a barca da aurora
que me prometeste.

a madrugada cessou
onde a água caiu sobre os ombros
(nus) de uma noite qualquer.

tu não voltaste,
deixando acesa a sede
e o fogo, a água e a noite,
a madrugada
e os ombros.

escrevo a sede sobre a pele
rarefeita, onde a água
se desvia e a noite
atravessa o ar

decomposto
das almas insaciáveis.

Susana Duarte
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25 agosto 2019

«despidos os olhos» - Susana Duarte





despidos os olhos, inicia-se
a navegação intranquila
das almas, a lapidação do vôo,
a abertura solene do nome.

Susana Duarte
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04 agosto 2019

«Eis»

eis a noite ensimesmada
das bruxas

e as quimeras vivas:
talvez haja um poema,

ou a sede, por escrever.

talvez tu sejas a sombra
navegante das asas perdidas,
ou o esquálido
e angustiado nó
deixado vivo nas noites outrora
agitadas pela ode marítima
com que me beijavas
a madrugada.

eis as noites das quimeras,
gárgulas perdidas
onde os nós se desatam,
sedentos, talvez, de deixar
nas pedras as sombras
originais. eis os nós, e as pedras.

eis o ser que se transforma,
e a mulher-rocha das marés.

Susana Duarte
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28 julho 2019

«o poema»

o poema é a serena queda das mãos
sobre o corpo,

a quietude incerta das manhãs
húmidas
de suor

e a agitação dos olhos, onde
as mãos
iniciam voos
e madrugadas.

é no poema que nasce a (e)terna
mansidão
dos corpos.

o beijo é a fonte do poema,
e o ventre das palavras

[a noite e as asas de tudo,
o tudo e o nada que confundem,
as antíteses todas
de todas as vidas].

Susana Duarte
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21 julho 2019

«inconstante»

és inconstante como as nuvens,
e discreto como as aves. és
a solução última das águas,
que se apartam quando as rochas
fendem os futuros e alienam
os rios. queres o meu silêncio,
tanto quanto queres o meu grito.

não sabes, ainda, para onde vais.
és inconstante como as nuvens,
e belo como as ondas. talvez
caibas onde não cabem sonhos.

sei que permaneces navegável,
apesar da distorção da rota,
e que as rotas são como veias,
esculpidas, improbabilidades
de um peito desenhado, vermelho
e áspero como as noites frias
de um inverno qualquer.

és inconstante como a maré
jovem que te trouxe até mim,
e improvável como as manhãs
que habitei nos dias de antes.

talvez saibas onde me encontrar.
eu ainda não sei qual foi a maré
que me trouxe aos dias que habito.

Susana Duarte
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14 julho 2019

«silêncio das areias» - Susana Duarte

há ondas devassadas
pelo silêncio
das areias-

é onde as vertentes úmbrias
derrotam as névoas
e as mulheres
içam memórias

à altura dos seios
inanimados.

as ondas devassadas
falam de gaivotas
perdidas,

de vôos dispersos,
fendidos
pelas rochas,

salgada a procura, e
longínquas as asas.

Susana Duarte
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30 junho 2019

«antecipação do beijo» - Susana Duarte

a antecipação do beijo teve o sabor
das cerejas rubras dos teus lábios.
é nos teus lábios que penso,
quando falo de tardes encantatórias
e do acordar das mãos.
são tuas, as mãos que ladeiam
os lábios e encantam a língua
que, fresca, amanhece
o corpo.

a antecipação do beijo é, ainda,
a manhã clara do teu nome. tem a cor
encarnada da paixão com que soletrei
a chegada do teu sorriso. não sabes ainda
das ondas convulsas que o nome
convoca, nem das águas detidas
no olhar, quando penso em ti.
tu, nascente dos dias descerrada
da pele, escreves na minha boca
o nascer radioso do dia.

raiaste de vermelho o florir do corpo,
apenas porque antecipaste o vôo
das mãos quando, de súbito,
me colheste o sorriso.

Susana Duarte
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23 junho 2019

«recolhi as palavras» - Susana Duarte

recolhi as palavras
que te tornavam real
sob o toque inacabado
das mãos que me deixaste:
caídas, desamparadas
e cegas. faltavas-me,

mas sugaste os sorrisos,
e os dedos das mãos.
faltavas-me e, todavia
eu sabia que não residias
nas ondas dos meus seios,
ou nas curvas negras dos cabelos
revoltos pelo temporal
da tua presença.

tu, habitante flávio
dos meus dedos, pequeno nada
onde perdi as sombras
das palavras e da boca rubra,
totémica, despojada
que depositei nos teus braços
faltavas-me,
mas recolhi as palavras,
tanto como o corpo por onde,
irados, desenhámos arabescos

que são da ordem das quimeras
e das transumâncias
a que me condenaste
depois.

Susana Duarte
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16 junho 2019

«trago nozes» - Susana Duarte

trago nozes, centros nacarados do mundo,
e trago vozes. tragos cardos
como se fossem árvores,
e ondas suaves
onde os xamãs
desnudam
a lei.

sou, das árvores, a intempérie
que nasce onde as flores
fenecem, e as luzes
de uma aurora
desfolhada

[mulher]

onde os dias de antes escrevem
palavras estranhas, raras, justapostas
à sombra onde, esquálidos,
espreitam os teus ossos,
sombra da sombra
do que foste

quando o corpo se erguia
sobre os poros. trago neles o sal
e o suor, as lágrimas e a paixão dos dias.

eram dias de estar só, sem o saber,
acompanhada pelo corpo ausente
com que presenteavas
as noites fingidas
de uma chuva
trazida
pelos dedos.

soubesse eu dos teus dias,
e teriam sido curtas as noites
da água e do movimento milenar
dos braços. soubesse eu das tuas noites,
e teriam sido esculpidas em água
as curvas que, todavia, te desenhei
nos lábios, urgentes como a vida
que parecias ter

dentro.

Susana Duarte
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09 junho 2019

«(em silêncio)» - Susana Duarte

das rochas, o desabrochar
silencioso das flores. é a travessia
última das manhãs: aquela
que se faz silente,

sob o marulhar
dos dedos que procuram, no dia,
o renascer da alma
(onde as rochas perduram
e o mundo recomeça a brotar
das águas).

Susana Duarte
do meu livro não publicado, "Pangeia".
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14 maio 2019

«sobrevoas as noites» - Susana Duarte

Depois deste poema, a Susana Duarte não publicou mais textos no seu blog «Terra de encanto».
É pena e espero que ela regresse um dia à escrita. O mundo não pula nem avança sem poesia.
Entretanto, o meu agradecimento à Susana pela simpatia e altruísmo que desde há muito teve e tem connosco, ao permitir-nos partilhar estas suas pérolas.
São Rosas


sobrevoas as noites, onde as flores
são os ângulos escondidos das veias.
apareces, como um fantasma: povoas sonhos
e roubas segredos.

sobrevoas os dedos, onde as noites são raras.
partes, todas as noites, mas pairas sempre
sobre os passos através dos quais
perscruto os caminhos.

caminhas sobre os meus passos e, todavia,
não estás. matas-me e, todavia, regressas,
como um espectro que desalinha as flores
e insemina de ausência
os dias.

perdido, tu próprio, nas linhas oblíquas da chuva,
congeminas olhares onde os teus olhos já não estão.

desaparecerás, um dia, dos caminhos

dos sonhos e dos beijos por dar. nesse dia, a luz-outra
será o véu através do qual deixarei de te ver,
qual névoa de Setembro,
qual gota de chuva caída dos beirais de uma casa,
eclodindo na calçada para, depois- e para sempre-
se ocultar das pedras.

desapareces já, noite após noite, onde os sonhos
não te nomeiam e os dedos não te procuram.
talvez sejas já, apenas, a sombra dos dias de ontem.
o teu nome não me cerca.

os teus olhos desaparecem com as chuvas.
a vida, um dia, recomeçará: fantasma, presença, ausência
de todas as ausências
dos meus braços.

nesse dia, não mais sobrevoarás as palavras.

Susana Duarte
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