18 outubro 2010

“Assédio, abuso, e violação sexual virtual” ou “Olareca!”

Andava eu ontem a “passear” por aí, ainda dando os meus primeiros passitos no facebook, qual criança encantada com o seu brinquedo novo, quando, de súbito, fui vítima de um ataque de agressividade e violência inusitadas. “Assédio virtual”, seguido de “abuso sexual virtual” e, por último, “violação sexual virtual” (ainda por cima sem direito a preliminares!). É certo que, em certa medida, tudo isto foi de alguma forma “consentido”, uma vez que neste ambiente virtual nos é sempre permitida a opção do: “bye, bye, delete”. Mas, muito embora o dedo me pendesse para o “clic fatal”, acabou por prevalecer o meu grande amor à ciência! E assim foi. O agressor era um homem que se fazia passar por mulher, ou vice-versa, não entendi bem, ou seja, algum espécime de urso pardo de dente muito afiado, notoriamente especializado em “sexo virtual”, e que fazia gala em envergar um strap-on, ainda que estivesse convencido de que eu era um homem. (Confusos?) De maneira que não foi fácil sair dali sem uma grande dor de cabeça, ou algum dente partido no instrumento que a criatura insistia, por força, em enfiar no primeiro buraco que lhe aparecesse a jeito. A tão experimentadas e violentas investidas valeu-me tão só este maldito sentido de humor, ainda que não haja “bela sem senão”, ou “rosa sem espinhos”, e tenha o mesmo sido responsável para que a altas horas da madrugada, já com um olho menos aberto que o outro, andasse eu empenhada em conservar em álcool etílico o extraordinário evento para mais tarde o recordar (quero dizer, a guardar o histórico do chat). Apesar dos métodos nada auspiciosos à excitação, e das minhas sistemáticas recusas, por vezes violentas, em nenhum momento a criatura se demoveu dos seus intentos, e ainda menos quando, ao cabo de cerca de uma hora, acabou por me vencer pelo cansaço. Disse-lhe “tchau, bye, bye, darling” e, (trabalhos meus!), fui tratar da tal tarefa de guardar a longa “conversa” que até aí já tinha decorrido, abandonando a caixa de diálogo aberta. Por fim, dado o adiantado da hora, e já mais morta que viva (que isto do sexo virtual, ainda mais quando forçado, também cansa), cheguei às últimas linhas da caixinha, verificando com alguma surpresa que havia sido presenteada com mais esta maravilha:

03:54 Libélula
Bem… já ri o suficiente por hoje.
Tchau
03:54 Criatura
PUTA!
CABRONA
RELES
ORDINARIA
CADELA!
GOSTAS NÃO GOSTAS DE LEVAR COM ELE NA CONA?
DIZ Q GOSTAS
VAMOS
ESTAS A ESFREGAR O GRELO SUA GATA COM CIO?
ESFREGA-O COM FORÇA
SIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
SIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
MAIS FORÇA
ANDA
APERTA O GRELO
ESFREGA-O!
MAIS
MAIS
SIM
FORRRRRRRRRRRRRÇA
FORRRRRRRRRRRRRÇA
MAISSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
SIMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
SSSSSSSSSSSSSSSSSSIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM
PUTA!
ESFREGA-O COM MAIS FORÇA
ABRE AS PERNAS
QUERO-AS MAIS ABERTAS CABRA!
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE
TE
VEMMMMMMMMMMMM-TE
VEMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM-TE

E esta, hein?

Hoje, com mais calma, fui dar uma espreitadela aos blogues deste senhor. Digo “senhor”, pois duvido (perdoem-me cavalheiros!), que alguma mulher (mesmo sendo das tais de barba e bigode) fosse capaz de tamanha cretinice ou brutalidade! Como se não bastasse violar-me virtualmente e insultar-me à conta de alguma tara sexual belicista e irracional, ainda me queria fazer vir à força! Passa das marcas, não?? E não é que para meu espanto, apesar de aparentemente foragida de alguma jaula e dos graves danos cerebrais, a criatura sabe ler, escrever, e contar?

O Quarto do Vazio - O Castelo

Júlia, endereço artístico de cinco letras que escolheu para que remetam a prosa que lhe dirigem, pintadas que estão as paredes do quarto que a cercavam e entreaberta a janela transparente porta do mundo, augura novos propósitos na condução da sua forma de subsistência. Já é Júlia que escolhe as marcas dos sapatos que impregnam a sua alcatifa. Já é Júlia que dita as horas, as regras, o tempo e o espaço para si própria. Antes, Júlia via as coisas pela frente e perguntava-se “Porquê?”, hoje ela lobriga situações pelas quais questiona “Porque não?”. Júlia encontrou o seu castelo, repleto de brilho e cor, juntamente com outras princesas que souberam brilhar para além do seu quarto do vazio, onde cada uma delas e juntas orquestram a quantidade e qualidade dos sapatos que pisam aquele soalho. Sim, já não se trata de uma velha e gasta alcatifa, mas de um soalho nobre, com estilo e presença que só se permite ser pisado por sapatos de qualidade. Que só se permite ser atravessado por quem procura qualidade. Sim, já é uma casa inteira e não um singelo quarto com uma cama e panos que caem do tecto. As ilusões ainda existem e são privadas, mas não tão primitivas como outrora, até porque para a maioria dos Homens, as ilusões são tão necessárias quanto a própria vida, e Júlia existe para satisfazer esse hiato da existência.

O Abre-latas feliz

À escala real, este felizardo (isto é, feliz sardo) teria um bengaleiro com um metro!
O que procurei por isto em Portugal... mas abençoada internet, que bastaram meia dúzia de clics para isto vir direitinho para a minha colecção.




Tirando satisfação


Alexandre Affonso - nadaver.com

17 outubro 2010

Hipnagógico

Quando estou naquele não estar, só respiro;
aquele, sim, em que tantas vezes me vês
aquele que nunca te sei explicar, eu nego
o que sei uma e outra e ainda outra vez
e rodo, boneca tonta a esbracejar assustada
e faço perguntas ao azul do meu pássaro,
só ao azul porque o pássaro já está cego
tantas penas o cegaram. Morreu. Suspiro,
eu bem sei que também estou ferida
e os dias continuam a passar; os três
cada vez mais despidos da manhã, o logo
cada vez mais nascido das trevas; retiro
a pergunta com medo, eu sei, mas através
dos joelhos no chão logo me vejo puxada
pelos fios das novas matemáticas. Juro
que nada sei e não me largam. O fogo
aponta-lhes todas as paredes e eu, cercada,
acordo bem viva e fugirei para o grande lago,
espera-me lá o meu pássaro azul tão escuro.


«Sonho Cumprido» - por Rui Felício

A Sandra despiu-se lentamente. Primeiro os sapatos, a seguir a saia, a blusa, o soutien, toda a roupa, peça por peça, até ficar nua. Flectiu uma perna, depois a outra, deitou-se de costas, o corpo lânguido, a boca entreaberta, os olhos semicerrados a fitarem um ponto vago e indefinido.
Primeiro os dedos, depois as palmas das mãos começaram a percorrer o seu corpo. A cada toque, o pensamento divagava, os olhos quase se fechavam. Conseguia ouvir a cadência do coração a bater dentro do peito, o prazer inundava-a...
Não resistiu, estendeu o braço e envolveu com a sua mão aquele objecto duro de textura suave, ligeiramente húmido, que sempre estivera ali a seu lado.
Conduziu-o para junto do rosto, sentiu o seu perfume, passou-o pelo pescoço, pelos seios. Fazia-o deslizar em movimentos ondulatórios, ora com maior ora com menor pressão sobre a pele.
Levou-o a descer pela barriga, acompanhando os movimentos das ancas. Escorregou-lhe da mão, já molhado, revestido por um liquido espesso e cremoso. Tacteou avidamente aquele instrumento de prazer e voltou a pegar-lhe, desta vez com mais força.
Agora, fazia-o deslizar pelas coxas. Entreabriu-as lascivamente e levou-o aos poucos até perto das virilhas. Passou-o repetidamente em volta, pela frente, por trás, até que o pressionou demoradamente sobre o sexo e sentiu então o mesmo prazer indescritível que as estrelas de cinema experimentavam.
A Sandra, ainda meio submersa na banheira da sua casa de banho, tinha cumprido o seu sonho.
Não era em vão que nove em cada dez estrelas de cinema usavam o sabonete Lux.

Rui Felício
Blog «Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos»

La langue française... «c'est une pute»

A partir dos 00:57, "c'est la desbunde"!

Há situações levadas da breca

crica para visitares a página John & John de d!o

16 outubro 2010

O Quarto do Vazio - A Pintura

Júlia vivia atormentada. Cria numa vida que não era a dela, com detalhes desfocados pela sua própria inexistência. Júlia sofria demasiado com o pouco que lhe faltava, admirando pouco o muito que estava a conseguir. A orientação dos seus objectivos visava um mundo material repleto de esplendor para lá da janela porta do mundo, razão pela qual continuava a jazer naquela cama espinhosa. Mas paulatinamente, de momento em momento, Júlia alterava os seus objectivos ainda que navegando pelo material. São paixões. São efémeras. É o acomodar do renascer. E a ausência que ela sentia apagava as paixões mas fortalecia o amor. Júlia já tinha iniciado a pintura das paredes do quarto e os vazios estavam a dar lugar ao amor próprio. Já tinha feito algumas investidas para o lado de lá da porta, e até já tinha aberto um pouco a janela, mas ainda não tinha reorientado os seus propósitos. A alcatifa ainda tinha muitas marcas de sapatos, mas começava-se a lobrigar algumas marcas repetidas. De sapatos melhores cujos donos já não queriam diluir a Júlia, mas preservá-la no seu amor próprio. Já não eram clientes. Já eram amigos, parte da sua vida que ajudavam de quando em vez, a pintar mais um pouco da parede. Um deles até lhe ofereceu uns panos que caem do tecto mais transparentes que os anteriores. As ilusões já não são tão privadas nem tão primitivas. Já há partilha. Já existe carinho. Já começa a haver brilho.

Aprendam...

... como diz o Car(v)alho, "que eu... não durmo sempre!"

Linhas

A linha imaginária
torna-se numa volta
sem regresso
de um laço espantado
de tanto se enlaçar.

As linhas encurvam
nas curvas do caminho
e de imaginárias
tornam-se - um dia -
vislumbres de amor.

Quererás voltar
neste laço que o sonho
não perderá?

Poesia de Paula Raposo

Já merecia um clube de fãs...



O admirador secreto


2 páginas (clicar em "next page")

oglaf.com

15 outubro 2010

Um Interrogatório Informal

Vindo expressamente do Brasil para se encontrar e ouvir informalmente o ilustríssimo causídico português, que jurava a pés juntos querer colaborar incondicionalmente com a justiça brasileira mas não ter tempo para se deslocar ao Brasil, o rotundo Delegado Baleia mantinha ao fim de seis horas de conversa o mesmo ar descontraído, fresco mas repetitivo, insistente e tenaz com que a iniciara, apesar de se encontrar farto do seu melífluo, prolífico, escorregadio e inconsequente interlocutor – o Delegado coleccionava adjectivos que ia anotando em letra miúda nas margens das folhas do coçado caderno de argolas que o acompanhava e usava para tomar notas.
Sozinhos, o Delegado e o advogado, oficialmente não suspeito, esgrimiam e partilhavam de forma etérea, indefinida e aparentemente inconsequente argumentos, perguntas e respostas, dúvidas, conclusões e histórias relacionadas, nem sempre compreensivelmente, com as pessoas, as relações e os factos sob investigação.
A vasta experiência a interrogar toda a espécie de gente e a leitura compulsiva de policiais, haviam criado no mítico Delegado Baleia a capacidade de permanecer durante horas a fio com o mesmo ar e com o mesmo tom que adoptava no princípio dos interrogatórios e, em trinta anos de serviço, o Delegado só contava dois suspeitos que o tinham ultrapassado em paciência, frescura e talento para permanecer todo o interrogatório sem sinais de cansaço, desânimo ou desespero. O Delegado moía-os e cansava-os de uma maneira tal que, era certo, num dado momento os interrogados acabavam por quebrar – ainda que isso nem sempre fosse consequente para a investigação.
O Delegado recordou os dois interrogados que o haviam aguentado, ambos com mais cabelo que o homem que se sentava agora à sua frente, e, muito a custo, começava a convencer-se que teria de acrescentar um sujeito careca à reduzida galeria de interrogados inquebráveis.
Rodando a cadeira que viera com ele do Brasil, o Delegado ouvia com ar interessado o advogado relatando os fastidiosos e áridos pormenores de uma operação financeira e, ainda que a voz do interrogado lhe soasse um pouco fatigada, estava prestes a admitir a derrota e a dar por terminado o interrogatório na próxima hora, hora e meia: logo que recapitulassem a noite do crime pela vigésima vez. Foi o que fez logo que o causídico se calou.
Após longa e monótona recapitulação dos passos do interrogado no Brasil à data dos factos, o anafado Delegado declarou (levando o advogado ao desespero):
“Há coisas que eu ainda não percebi, doutor. Provavelmente, por incapacidade minha, admito, mas a verdade é que estamos aqui para nos esclarecermos ou, pelo menos, para eu me esclarecer.
Como já lhe disse e agora reafirmo, o Estado Brasileiro agradece encarecidamente a sua disponibilidade para se encontrar comigo. Da mesma forma que agradece ao Estado Português a disponibilização deste gabinete para o nosso encontro informal.” O Delegado olhou em volta. O ilustre causídico por mais que tentasse – e tentou muito – não conseguiu perceber se o interrogador estava a ser irónico, ainda que lhe parecesse que só podia dada a exiguidade e aspecto do gabinete.
O Delegado voltou a fixar-se no interlocutor e continuou:
“Longo e frutífero encontro em que, no entanto, eu me sinto defraudando todas as expectativas, até as suas, doutor. Ou principalmente as suas, doutor, que, com toda a certeza, esperava mais da pessoa que atravessando o Atlântico para consigo conversar e que o doutor certamente procurava iluminar…”
“Sabe, Delegado…” O advogado interrompeu a enviesada repetição do discurso inicial que o Delegado debitava mas calou-se. Olhou para os sapatos, passou as mãos pelo rosto e tornou a suspirar. Hesitava. Pousou o cotovelo esquerdo no braço do cadeirão onde estava sentado, apoiou o queixo no polegar da mão esquerda e tapou a boca com o indicador dobrado em forma de gancho. Olhou para o Delegado que se mantinha impávido à espera da continuação. O advogado cerrou os lábios, soltou o queixo, pousou o cotovelo direito no braço respectivo do cadeirão e juntou as mãos, entrelaçando e separando os dedos.
“A velha atacou-me”, desabafou com um profundo suspiro de cansaço o ilustríssimo causídico, causando o invisível pasmo do Delegado.
“Atacou-o, doutor?”, perguntou o Delegado, agitando-se ligeiramente na cadeira e mordendo ligeiramente o lábio inferior enquanto esperava pela resposta.
“Atacou-me”, confirmou sem mais detalhes o causídico, notando satisfeito a alteração, ainda que mínima, da expressão do Delegado.
“Atacou-o como?”, insistiu o Delegado.
“Atacou-me sexualmente”, completou o causídico, com uma careta como se a qualificação do ataque o incomodasse.
“Sexualmente?!”, soltou o Delegado, espantado. “A vítima atacou-o sexualmente?”
O causídico assentiu com a cabeça.
O Delegado procurou raciocinar mas não conseguiu e perguntou automaticamente como fazia nos casos de estupro: “A falecida molestou-o usando de violência, foi?”
O suspeito oficioso fixou o Delegado e corrigiu: “Antes de ser falecida.”
O Delegado abanou a cabeça: “Claro, antes de ser falecida. Mas molestou?”
“Não.”
O Delegado semicerrou as pálpebras fixando o suspeito, desviou o olhar para o tampo da secretária onde pousara as palmas das mãos abertas e, sem levantar os olhos, remoeu:
“A falecida quando ainda estava viva atacou-o sexualmente sem, todavia, o molestar, foi isso?”
“Foi.”
“E usou de violência?”
“Quem?”
O Delegado hesitou mas esclareceu: “Ela.”
“Não, foi apenas insistente. Demasiado insistente.”
“De tal forma que o Doutor considera que foi atacado.”
“Sim.”
O Delegado encaixou a resposta telegráfica sem disfarçar o enfado que lhe causavam as manhas do causídico que a todo o instante o tentava trapacear, expirou ruidosamente e contou os dedos espalmados em cima da secretária. Nove. Suspirou e, estudando o espaço que seria ocupado pelo mindinho esquerdo se o tivesse, decidiu saltar etapas.
Levantou as mãos da secretária, recostou-se na velha cadeira giratória de madeira que se ajustava ao seu volumoso corpo como um velho sobretudo, arrumou os braços sobre a barriga e perguntou docemente: “E o doutor, para se defender desse ataque inesperado e soes, matou-a?”
“Não.”
“Bem me parecia”, comentou o Delegado com ar subitamente divertido. “Mas ela concretizou o ataque?”
O causídico anuiu com a cabeça.
O Delegado Baleia continuou: “E o doutor consentiu ou foi forçado?”
“Consenti. Acabei por consentir.”
“E esse ataque teve lugar no dia do decesso?”
“Sim.”
“Na viatura?”
“Sim.”
“Em andamento?”
“Sim. A principio, sim.”
“O doutor imobilizou o veículo, foi?”
“Para nossa segurança.”
“A ela não lhe valeu de muito”, constatou o Delegado, com uma repentina gargalhada.
O ilustre causídico censurou-lhe o comentário e a gargalhada com um olhar mortífero mas não ripostou.
O Delegado parou de rir e perguntou: “E, afinal, em que é que se concretizou esse pretenso ataque?”
“A minha cliente disse-me, “Sabe, doutor”, e eu disse “Diga?” e ela virou-se para mim, pousando a sua mão esquerda na minha perna direita, afagou-a quase até à virilha e disse que gostava muito de mim, que sonhava comigo e que ansiava por me ter…”
“Assim de repente?”, interrompeu o Delegado, apertando o queixo entre o indicador e o polegar da mão direita.
“Sim, assim de repente.”
“Me desculpe. Me desculpe a interrupção. Continue… Ela ansiava por o ter?”
Os homens entreolharam-se em silêncio percebendo a duplicidade da pergunta. O Delegado ergueu contidamente as sobrancelhas mantendo a pergunta e o advogado respondeu:
“Foi o que ela disse. E depois continuou dizendo-me que, para além do patrão, nunca desejara um homem como me desejava a mim. E que tinha saudades minhas quando estávamos afastados. E nisto agarrou-me o meu órgão sexual e os meus testículos, de forma vibrante, apaixonada, quase desvairada.”
“E o doutor?”
“Eu fiquei surpreendido. Por uns momentos, nem tive reacção. Fui completamente apanhado de surpresa. Devo ter dito qualquer coisa mas só me lembro de sentir uma erecção e ficar envergonhado. Foi aí que decidi imobilizar o veículo. Ela já estava quase sobre mim, tentando abrir-me a braguilha e eu, ainda que não quisesse, estava a ter uma erecção.”
O Delegado ouvia com atenção, estudando com detalhe a fisionomia, os gestos e o tom do causídico. Este continuou:
“Assim, logo que pude, parei e tentei fazer parar a minha cliente.”
“Mas não conseguiu?”
“Pois não e a minha erecção excitava-a. Levava-a a crer que eu me estava apenas a fazer difícil. A tentar ser social e profissionalmente correcto mas que, no fundo, também a desejava.”
“Os advogados em Portugal não podem comer as clientes?” perguntou o Delegado de chofre, esquinando o sorriso.
“Claro que não”, empertigou-se o causídico.
“Nem praticar quota litis”, lançou o Delegado, mantendo o sorriso matreiro.
“O que tem isso a ver para o caso?”
“Nada”, reconheceu o Delegado. “Foi só uma outra coisa que eu me lembrei que os senhores advogados portugueses não podem fazer. Não é verdade que não podem estabelecer os honorários numa percentagem directa do ganho do cliente?”
O causídico cerrou os lábios e aceitou num murmúrio: “É.”
“E, no entanto, fazem-no.”
O advogado encolheu os ombros e coçou o pescoço com a unha do indicador direito, que acabou por enfiar no colarinho da camisa.
Os homens olharam para a ventoinha parada num canto do gabinete.
“Está quebrada, doutor”, explicou o Delegado, quando reparou no olhar do outro. “Estão esperando os aparelhos de ar condicionado e, enquanto isso, não há verba para consertar as ventoinhas que deixam de funcionar. Foi o que me disseram os colegas portugueses.”
“Pensava que era uma técnica”, disse o advogado.
“Uma técnica?”
“Uma técnica de interrogatório” explicou o advogado. “Pensei que pretendessem vencer-nos pelo calor.”
“Não. Parece que é falta de grana, mesmo.”
O causídico aproveitou a espécie de pausa surgida com a ventoinha e, disfarçadamente, viu as horas no seu relógio de pulso.
Atento, o Delegado deixou passar o gesto sub-reptício do interrogado como se não o tivesse visto e, voltando-se de novo para a ventoinha, disse:
“Mas não conseguiu…”
“O quê?”
“Pará-la”, explicitou o Delegado. “Apesar dos apelos da ética, não conseguiu parar ou demover a sua cliente.”
O advogado fixou o Delegado e manteve o olhar quando os olhos se cruzaram.
“Eu…”
“O doutor julga que eu acredito nessa patranha?”, interrompeu o Delegado, pousando os cotovelos na secretária.
As pálpebras do causídico afastaram-se, os lábios cerraram-se e os olhos chamejaram e acabaram por se fixar num ponto indefinido da camisa do inquiridor.
“Só não percebo” continuou o Delegado, pousando o queixo nos nós dos dedos da mão esquerda que envolvia a direita, “onde é que essa história nos levava ou como é que ela o ia beneficiar.”
Uma expressão de transtorno e aborrecimento perpassou momentaneamente na face do advogado, transformando-se depois numa expressão voluntária de dureza e melindre, que se verbalizou na declaração:
“O senhor acredita no que quiser.”
“O doutor quer-me fazer querer que a vitima estava apaixonada por si, que não se conteve e o atacou sexualmente de forma absolutamente juvenil?” contrapôs o Delegado.
“O senhor acredita no que quiser.”
“Isso é verdade mas o doutor quer ainda que eu creia que, não resistindo aos seus avanços, o doutor acabou por permitir que a vitima lhe fizesse sexo oral?”
“Eu não disse isso”, replicou o advogado.
“Ia dizer”, sentenciou o Delegado.
O advogado não desmentiu.
O Delegado continuou:
“E, por fim, o doutor quer que eu acredite que, depois desse fait-divers, a vitima limpou os cantos da boca ao lencinho de seda que trazia na mala, o doutor arrumou o seu bráulio, fechou a braguilha, ligou o automóvel e seguiram a viagem, que terminou exactamente como o doutor tem dito até aqui?... É isto?”
O causídico anuiu com a cabeça e completou:
“Basicamente, é. De forma ignóbil e rasteira, é. A…”
“Não é “a”, meu caro doutor”, interrompeu o Delegado. “É “e”. E então? E o que é que isso nos adianta? E o que é que isso altera?”
“Eu que eu quero dizer ao Delegado é que a minha posição tem sido sempre no sentido de resguardar a memória da minha constituinte. Que as eventuais falhas das minhas declarações resultam desta situação melindrosa e totalmente do foro privado que eu acabei de lhe descrever. E que, naturalmente, toda a minha conduta naquela noite, ou melhor, a partir dali, foi altamente condicionada por este episódio.”
“Ficou abalado.”
“Sim, claro. Claro que fiquei.”
“Estou a perceber.”
“Está a perceber o quê?” explodiu o advogado.
O Delegado Baleia riu-se para dentro, já não precisava de aditar o manhoso, untuoso e falacioso indivíduo que se mantinha à sua frente ao rol de interrogados supremos.
“E digo-lhe mais, doutor” adiantou o Delegado, pausadamente, ignorando a explosão do advogado. “Não só estou a perceber como já formei a minha opinião e já me julgo esclarecido, pelo que podemos dar por terminado este encontro informal pois…”
“Acabou?”, perguntou o causídico.
“Sim, acabou”, confirmou o Delegado.
“Eu vou fazer como foi acordado”, avisou o causídico, levantando-se. O Delegado fez uma careta de incompreensão. O causídico, em pé, explicou: “Vou tornar pública esta diligência.”
“Ah! Sim, naturalmente, as condições acordadas mantêm-se, senhor doutor. Se acha que isso o favorece.”
“E a policia brasileira confirma o encontro e a minha integral e incondicional disponibilidade mas não dá detalhes.”
“Foi o acordado.”
O causídico sorriu e estendeu a mão ao Delegado, que, sem se levantar, a apertou.
“Tive muito prazer, Delegado Baleia. E deixe-me que lhe diga que o que dizem de si é inteiramente verdade: o senhor é grande.”
“Obrigado.” O Delegado agradeceu como se tivesse sido elogiado, largou a mão do advogado, apontou de mão estendida para a porta e ordenou: “Faça-me o favor, doutor, pode sair. É que eu vou já iniciar os termos para a carta rogatória que vamos enviar para cá para o seu interrogatório formal. Passar bem. Ah... E o prazer foi todo seu, doutor. Todo.”