24 agosto 2004

"... acordei..." - um texto de Quim Nogueira

"... acordei por volta das 3 e 15 da manhã... sim, era isso... olhei para o relógio da mesinha de cabeceira e os dois ponteiros estavam juntos no 3... é um relógio daqueles de ponteiros luminosos.
Olhei para o tecto sem saber porque razão acordara, mas lembro-me que talvez tenha ouvido a porta de um carro, lá fora, a bater ao fechar-se... olhei de seguida para os buraquinhos das frinchas da persiana da janela e divisei a luz da noite... a rua tem candeeiros e vê-se essa luz, ainda que difusa mas vê-se.
Senti o corpo morno e passei a minha mão pelos meus seios acariciando os bicos do peito. Deixei a minha mão descer pela barriga até sentir o meu sexo e desejei ter-te ali comigo... a minha mão acariciou os pelos púbicos e lentamente introduzi um dedo na minha vagina. Deixei-me estar assim durante uns momentos e lembrei-me de ti... lembrei-me de todos os momentos que te tive e que a meu lado te senti...
Sabes, quando me abraçavas e me sentia pequenina, dessa forma mágica que tens de me abraçar... quando me beijavas e me sentia desfalecer ao sentir a humidade dos teus lábios... sabes, não sabes? Sei que sim.
Lembras-te daquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez? O dia em que nos olhámos e os nossos corações bateram? Aquele dia mágico que marcou o resto dos outros nossos dias?...
Acordei sem saber por razão acordava mas penso que a saudade marca o sonho e, se calhar, estaria a sonhar contigo. Lembras-te daquele dia em que estavas sentado no sofá da nossa sala e me ajoelhei a teus pés? Lembras-te de termos feito amor na mesa da cozinha? Lembras-te daquelas férias que tivemos na montanha e lembras-te, de certeza, de termos feito amor deitados naquele chão branco de neve... lembras-te de, no fim, teres lavado o teu sexo com a fria neve que estava ao nosso lado? Lembras-te como ele ficou pequenino por causa do frio? Lembras-te como nos rimos às gargalhadas? E daquele dia que fizemos amor no carro? A meio deste um grito porque te aleijaste numa perna no travão de mão? Sim, porque não te haverias de lembrar, se eu me lembro tão bem... e daquela outra vez na praia, escondidos numa duna, quando eu fiquei cheia de areia...
Acordei às 3 e 15 e já são 3 e 40... 25 minutos a pensar nisto... sinto-te em mim, meu amor e não estás aqui presente... mas sinto-te... sei que sou eu que me acaricio mas é como se fosses tu... sinto como se fossem as tuas mãos, o teu corpo quente, o teu hálito a maçã que costumavas comer a toda a hora... eras doido por maçãs... nunca soube porquê... nunca considerei isso importante mas era importante para ti, não era?
Os teus beijos quentes e húmidos num saltitar constante entre os meus mamilos e a minha boca.
Como beijavas tão bem... mas sei que mesmo que beijasses mal, para mim era sempre bom, doce, quente, por vezes abrasador... como eu costumava dizer que acendias em mim o fogo da lareira sempre acesa... eu sei que fui sempre «louca» por ti mas tu sempre gostaste de mim assim... eu sei que sim... eu sentia que tu gostavas de mim assim... tu também eras louco, sabias? Sim, a tua loucura incendiava-me e quando nos rebolávamos na cama parecia que tudo se partia e a cama chiava... como nós nos riamos disso... coisas giras e loucas, não eram?
Meu bem, como me lembro de ti assim? Porque acordei eu a pensar em ti? Porque é que ainda penso em ti ou porque é que estou sempre a pensar em ti? Sabes que não há um único momento da minha vida que não pense em ti?
Eu sei, eu sei que dizem que estou louca... mas eles não sabem que já não estou louca, já estive, sim já estive louca por ti... agora já não estou... estou feliz, triste mas feliz e tu sabes porquê, não sabes? Sabes, eu sei que sabes.
Já são 4 da manhã. Acho que vou dormir um pouco. Penso que vou sonhar contigo e depois... depois voltar a acordar para pensar mais uma vez nos nossos dias felizes, nos dias que passámos juntos, naqueles dias em que a loucura era permitida e nada mais interessava... até ao dia em que te foste.
Nunca soube porquê, porque me deixaste, porque não me quiseste mais... porquê, meu amor?
O sono está a regressar... sabes, deram-me mais uma injecção e vou ter de dormir, sim? Eu vou dormir mais um pouco, meu amor... mais um pouco... mais um pouco... como ainda te amo, sim, serei sempre a tua Maria, meu amor, tua para sempre, para sempre..."

Quim Nogueira
Lobices

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