Sabes São, a intimidade que a net cria entre estranhos é extraordinária. Como se o monitor filtrasse as máscaras que usamos na vida quotidiana e intensificasse a partilha de nós próprios como dois náufragos isolados numa ilha.
Digo-te isto a propósito de que falar com ele no MSN se tornou uma rotina excitante. Na magia dos pixels, do cão da vizinha à preferência por restaurantes nepaleses, das últimas notícias até ao Teorema de Tales, ele até podia discorrer sobre as melhores formas de garantir boas canalizações que eu ficava ali, vidrada, a sentir a vibração de cada palavrinha sua. E a saborear cada frase que lhe digitava como se de um orgasmo se tratasse. O jogo das palavras prendia-nos ao monitores feitos rosto do outro.
A ponto de quando circulávamos pelo dia a dia em locais desprovidos de internet, gastarmos um ror de pacotes de mensagens a trocar impressões cúmplices sobre a zona e os nativos. E com o passar do tempo Sãozinha, acordava no duche a pensar nele e escolhia uma roupa leve e fresca, a tapar uma lingerie minúscula, para rapidamente me sentar à frente do computador qual adolecescente que se veste e corre para o primeiro encontro. Obviamente, mesmo sem carne palpável, ambos detínhamos as informações sobre as posições favoritas de cada um, ao pormenor de ele saber que dois dedos desenhando uma curva no meu pescoço me faziam contorcer e baixar as pálpebras, tal como a ele surtia o mesmo efeito uma língua dançando no pavilhão auricular até descer para sugar o lóbulo.
Até que há pouco tempo ele me confidenciou, junto com um daqueles virtuais beijos sonoros que inundam toda a janelinha, que nunca contara tanto do que sentia e do que vivera a ninguém. Nunca estivera tão à vontade com ninguém. E foi aí Sãozinha que algo estremeceu em mim. Será que nós, as pessoas, perdemos a capacidade de falar cara a cara?...
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Uma por dia tira a azia