My Bag
O Picoto desliga o telefone - assuntos de trabalho, eu ouvi distintamente -, vira-se para mim e declara, sério:
- Putas finas, nunca mais, Pereira.
- Não? - Digo eu, atordoado com o surgimento inopinado das putas, ainda por cima, finas.
Ele não me liga e continua a ladainha acusadora, sentida, revoltada:
- Foda-se, um gajo paga-lhes e elas gozam mais que nós.
- Gozam?
- Quando não gozam contigo...
- Comigo?
Ele olha-me pela primeira vez e rosna:
- Com o cliente, Pereira, com o cliente.
- Então, mas não é isso que tu queres?
- Não, Pereira, eu quero gozar, não quero ser gozado...
- Sim, isso é mau...
- Nem sequer quero que a gaja goze mais que eu, 'tás a ver?
- Porquê?
- Porquê!? Porquê?! - O Picoto nota que levantou a voz e cala-se. Senta-se. Olha-me como se o olhar me pudesse esclarecer. Eu levanto as sobrancelhas, demonstrando-lhe que continuo sem perceber. Ele continua, exasperado: - Ó Pereira, foda-se, porque isso desvirtua toda a situação... Aquilo é uma relação comercial, Pereira. Eu pago, eu quero ser servido, não quero servir.
- Mas a gaja também pode retirar algum prazer do acto ou não?
- Claro que pode, Pereira, claro que pode. Se fode e gosta, melhor, Pereira, melhor... Por mim, encantado da vida.
- Então, qual é o problema?
- O problema é que não pode gozar mais do que eu, porra! Se a gaja goza mais do que eu, deveria ser ela a pagar-me, pá! Aquilo é uma transacção comercial. É a prestação de um serviço...
- No singular?
- No singular, o quê?
- Disseste "é uma prestação de um serviço". Um. Um serviço.
- Serviço ou serviços, não é isso que interessa, eu estou a falar no geral, Pereira. O que interessa é que aquilo é uma transacção comercial: eu pago eu quero ser servido...
- E depois?
- Depois!? Depois?! Porra, pá, se a gaja me está a prestar um serviço...
- Ou serviços...
- Ou serviços, porra.
- Assim é mais caro.
- O que é mais caro?
- Se são serviços.
- Porra, Pereira, um gajo não pode falar contigo. Não interessa.
- Mas é mais caro.
- É! É mais caro - ele fecha a boca e expele o ar pelo nariz, desesperado, - mas isso não interessa.
- Um macaco.
- Foda-se, Pereira, um macaco, o quê?!
- Tens um macaco no nariz...
- Mas o que é que isso interessa?!
- Pensei que quisesses saber.
Ele tira um lenço encardido do bolso, assoa-se ruidosamente e enfia o indicador direito, envolto no lenço, nas narinas, rodando-os para uma limpeza completa.
- Está bom? - Atira ele, levantando a cabeça para me mostrar o interior do nariz.
- Não tem macacos, agora bom...
O Picoto olha-me com desprezo e enfado (ou vice-versa).
- Já me perdi - anuncia (como se eu não soubesse).
- Estavas a dizer que aquilo é uma transacção comercial e que se pagas queres ser servido...
- Ah! Sim! É isso. Se a gaja me está a prestar um serviço que tem como objectivo o meu prazer, a minha felicidade e alegria...
- E a mudança do óleo...
- E a mudança do óleo, também. Mas se sou eu que lhe estou a proporcionar o prazer, a felicidade e a alegria, eu é que lhe estou a prestar um serviço, percebes? Eu é que devia receber ou, pelo menos, não devia pagar.
- Mas tu não gozas?
- Gozo, caralho... era melhor... era só o que faltava... mas não é isso que está em causa, pá, isto inverte e mina toda a instituição.
- Qual instituição?
- O putedo, Pereira, a relação quase mística entre uma boa puta e o seu cliente.
- Então, mas essa é uma boa puta?
- Não, Pereira, aí é que está! Esta gaja já não é uma puta na verdadeira acepção da palavra, não respeita os cânones e as tradições. Esta gaja é uma espécie de puta livre, de puta liberal...
- Mas é puta.
- É uma pseudo-puta.
- Mas, afinal, não vais lá mais, por isso? Por as putas finas serem pseudo-putas?
- Não, é por outra coisa... - levanta-se e conclui, sem mais, enquanto se afasta: - Eu depois conto-te.
Garfanho (dali)
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