17 março 2007

NADA

Ficou parada a olhar para ontem. Para ele, ontem. Hoje já não o queria ver. Hoje já não o podia ver. Nunca mais.
– Sai, por favor. Sai!
Ele olhou-a, viu-lhe os olhos húmidos, brilhantes, furiosos. Viu a boca fechar-se e os lábios tornarem-se finos, um esgar de dor. Um fio de raiva. Reparou no vinco que subia da cana do nariz até à sobrancelha esquerda, duro. Final. Balbuciou uma frase que não terminou e caminhou em silêncio para a porta. E esperou. Esperou um pedido que nunca chegou. Saiu.
Ela deixou-se cair sobre o sofá, pôs os cotovelos sobre os joelhos, envolveu o rosto com as mãos e chorou. Chorou por si e por ele. Chorou por ele e parou.
– Cão!
Soltou uma gargalhada triste entre soluços e olhou em volta. Olhou para os seus pés no chão. Viu-os bater, como se não fossem seus, sentiu os calcanhares erguerem-se e pousarem ruidosamente no soalho de madeira. Gostou da familiaridade do som e repetiu-o. Sorriu. Limpou o rosto e levantou-se lentamente, apoiando-se no rebordo do sofá.
Em pé, esqueceu-se do sorriso e tornou a sentir-se só. A sentir-se vazia. Dirigiu-se lentamente ao quarto e entrou na casa de banho, decidida a tomar um longo e profundo banho de imersão de onde emergisse outra mulher.
Nua, olhou a água parada e sentiu nojo do branco deslavado da espuma artificial. A custo, enfiou a mão na água e puxou a tampa do ralo da banheira. Tomou um duche rápido, com a água a queimar, a doer, para lhe tirar o cheiro, para a lavar. Para dele se limpar.
Saiu a escorrer e foi para o quarto.
Olhou-se ao espelho e gostou.
Olhou-se ao espelho e chorou.
– Estúpido!
Arrancou os lençóis da cama, tirou-lhe o cheiro e o colchão. Deitou-se no estrado, ainda molhada e deixou-se ficar… olhando para ele, ontem. Ontem ainda era ele, ontem ainda o podia ver. Ontem…

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