(Sub-título) De uma fábula inédita de Ovídio, achada nas escavações de Pompeia e vertida em latim vulgar por Simão de Nuntua
Estava Vénus gentil junto da fonte
rapando o seu pintelho,
com todo o jeito,
pra que não ferisse das cricas o aparelho.
Tinha que dar o cu naquela noite
ao grande pai Anquises,
o qual, com ela, se não mente a fama,
passou dias felizes...
Rapava bem o cu,
pois resolvia na mente altas ideias:
— ia gerar naquela heróica foda o grande e pio Eneias.
Mas a navalha tinha o fio rombo
e a deusa, que gemia,
arrancava os pintelhos e,
peidando-se, caretas mil fazia!
Nesse entretanto, a ninfa Galateia,
acaso ali passava,
e vendo a deusa assim tão agachada,
julgou que ela cagava...
Essa ninfa travessa e petulante
era de génio mau,
e por pregar um susto à mãe do Amor
atira-lhe um calhau...
Vénus assusta-se.
A Branca mão mimosa
agita-se alvoroçada,
e no cono lhe prega
(oh! caso horrendo!)
tremenda navalhada.
Da nacarada cona,
em subtil fio,
corre purpúrea veia,
e nobre sangue do divino cono
as águas purpureia...
(É fama que quem bebe dessas águas
jamais perde o tesão e é capaz de foder noites e dias,
até no cu de um cão!)
— "Ora porra" — gritou a deusa irada,
e nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
uma risada solta.
A travessa menina mal pensava que,
com tal brincadeira,
ia ferir a mais mimosa parte da deusa regateira...
— "Estou perdida!" - trémula murmura a pobre Galateia,
vendo o sangue correr do rosco cono da poderosa deia...
Mas era tarde!
A Cípria, furibunda,
por um momento a encara
e, após instantes, com severo acento,
nesse clamor dispara:
"Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
que crime cometeste!
Que castigo há no céu,
que punir possa um crime como este?!
Assim, por mais de um mês inutilizas o vaso das delícias...
E em que hei-de gastar das longas noites as horas tão propícias? Ai! Um mês sem foder!
Que atroz suplício...
Em mísero abandono,
que é que há-de fazer, por tanto tempo,
este faminto cono?...
Ó Adonis! Ó Júpiter potentes!
E tu, mavorte invicto!
E tu, Aquiles!
Acudi de pronto da minha dor ao grito!
Este vaso gentil
que eu tencionava tornar bem fresco e limpo
para recreio e divinal regalo dos deuses do Alto Olimpo.
Vede seu triste estado, oh!
Que esta vida em sangue já se me esvai!
Ó Deus, se desejais ter foda certa
vingai-vos e vingai-me!
Ó ninfa, o teu cono sempre atormente perpétuas comichões,
e não aches quem jamais nele queira vazar os seus colhões...
Em negra podridão
imundos vermes te roam sempre a crica
e à vista dela sinta-se banzeira a mais valente pica!
De eterno esquentamento flagelada,
verta fétidos jorros
que causem tédio e nojo a todo mundo,
até mesmo aos cachorros!"
Ouviu-lhe estas palavras piedosas
do Olimpo o Grão-Tonante,
que em pívia ao sacana do Cupido
comia nesse instante...
Comovido no íntimo do peito
das lástimas que ouviu,
manda ao menino que,
de pronto,
acuda à puta que o pariu...
Ei-lo que, pronto, tange
o veloz carro de concha alabastrina,
que quatro aladas porras vão tirando na esfera cristalina
Cupido que as conhece
e as rédeas bate da rápida quadriga,
co'a voz ora as alenta,
ora co'a ponta das setas as fustiga.
Já desce aos bosques onde a mãe
aflita,
em mísera agonia,
com seu sangue divino o verde musgo de púrpura tingia...
No carro a toma
e num momento chega à olímpica morada
onde a turba dos deuses,
reunida, a espera consternada!
Já Mercúrio de emplastros se a aparelha
para a venérea chaga,
feliz porque naquele curativo espera certa a paga...
Vulcano, vendo o estado da consorte, mil pragas vomitou...
Marte arranca um suspiro que as abóbadas celestes abalou...
Sorriu o furto a ciumenta Juno,
lembrando o antigo pleito,
e Palas, orgulhosa lá consigo, resmoneou:
— "Bem-feito!"
Coube a Apolo lavar dos roxos lírios o sangue que escorria,
e de tesão terrível assaltado,
conter-se mal podia!
Mas, enquanto se faz o curativo,
em seus divinos braços
Jove sustém a filha,
acalentando-a com beijos e com abraços.
Depois, subindo ao trono luminoso,
com carrancudo aspecto
e erguendo a voz troante,
fundamenta e lavra este DECRETO:
— "Suspende, ó filha,
os lamentos justos por tão atroz delito,
que no tremendo Livro do Destino
de há muito estava escrito.
Desse ultraje feroz
será vingado o teu divino cono,
e as imprecações que fulminaste
agora sanciono.
Mas ainda é pouco:
— a todas as mulheres
estenda-se o castigo
para expiar o crime
que esta infame ousou para contigo...
Para punir tão bárbaro atentado,
toda humana crica,
de hoje em diante,
lá de tempo em tempo, escorra sangue em bica...
E por memória eterna
chore sempre o cono da mulher,
com lágrimas de sangue,
o caso infando,
enquanto mundo houver...
" Amén! Amén!
com voz atroadora os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
Amén! Amén! Sussurram...
(Bernardo Guimarães (1825-1884) in Poesia Erótica e Satírica Imago, 1992, RJ - Brasil)
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