29 dezembro 2008

01:15

Entrou sorrateiramente sem acender qualquer luz. Dirigiu-se à casa de banho, fechou a porta em silêncio e sorriu: decidiu fazer-lhe uma surpresa. Despiu-se, tomou um duche rápido e, só se tendo secado, apagou a luz, abriu a porta da casa de banho e ficou imóvel. Não ouvia nenhum ruído, nem sentia qualquer movimento. Pé ante pé foi até à cama, onde se deitou com mil cuidados. Sentiu o fresco do lençol e o calor que emanava do corpo desejado. Sorriu e tocou-lhe suavemente. Feliz, teve um ligeiro tremor de excitação: a surpresa ia começar…
A luz do candeeiro acendeu-se.
O corpo imóvel moveu-se e sentou-se: mão no interruptor e cara de tempestade.
– Deves pensar que sou uma puta!
Entre o espanto do tom, da luz, da cara, esqueceu-se de retirar a mão que pousara na perna e sentiu-a afastar-se até que a mão caiu desamparada no lençol.
– Uma puta?!
– Sim, uma puta! – A luz fraca da lâmpada economizadora distorciam-lhe as feições e o silêncio da noite amplificavam-lhe a voz.
– Uma puta?! – tornou a perguntar, à procura de um sinal em sentido contrário, de um sorridente “Enganei-te!” ou de algo que… de qualquer coisa que… não sabia mas ainda esperava qualquer coisa. – Porquê uma puta?
A luminosidade da lâmpada aumentava mas o que via não se tornava mais claro, pelo contrário: a mão que continuava agarrada ao interruptor, os olhos perdidos em pálpebras demasiado abertas que não descolavam dos seus, os lábios numa linha horizontal de força quase descontrolada, o pescoço retesado com as veias salientes num esforço de contenção… Tudo o que via enegrecia o quadro.
Entristeceu definitivamente sentindo que a luz afastava a remota possibilidade do “Enganei-te!”, que a claridade já não permitiria, e olhou para a casa de banho onde desejou estar e recomeçar tudo de novo.
– Uma puta! – O volume baixara mas o tom era mais duro, a mão largou o interruptor e os braços alinharam-se ao longo do corpo, terminando em punhos cerrados que entravam pelo colchão. – Sim, deves pensar que sou uma puta para estar aqui, a esta hora – olharam de viés para o relógio –, a esta hora de pernas abertas à espera de vossa excelência para foder!
Olhou de novo para o relógio, não se enganara, era 1:15. “E que não fosse” censurou-se por entender que estava a justificar o injustificável.
– A seguir vais-me perguntar onde é que andei? – perguntou, enquanto se sentava na cama. Tentava pensar mas não conseguia, as ideias, os pensamentos, as dúvidas, as perplexidades atropelavam-se, caíam em catadupa umas atrás das outras e anulavam-se.
– Não posso?
O aguçado “Não posso?”, manejado com fria e letal destreza, fez-lhe pior que a surpresa da “puta à espera de pernas abertas”, que a luz do candeeiro a iluminar uma relação que não sabia condenada, que a expressão disforme e animalesca que os reflexos sombrios do seu interior e da sua fraca lâmpada mostravam.
– Não, Paulo, não podes. – Ela rodou sobre as nádegas e pousou os pés no chão. – Agora não podes.

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