14 dezembro 2008

Cara a cara


Toquei à campainha e ela abriu. Cara a cara perscrutou-me todos os cantos em busca de qualquer ínfima diferença que me tornasse mais apetecível e de todos os detalhes que me tornassem pior como um pêlo no buço ou a florir no nariz, verniz esfarelado nas unhas, seios de tábua de engomar ou descaídos, um rabo quadrado e amolecido ou quejandos.

Transmiti-lhe que estava farta de ser a outra, de com pranchada ou sem ela acordar a meio da noite sozinha sem o cobertor aconchegado de um outro corpo, de não terminar as páscoas e natais com uma inspirada cambalhota imbuída do espírito de família e do stress de permanecer continuadamente vigilante para não sermos vistos por olhares indesejáveis.

Ela desfiou o rol dos direitos adquiridos pelo papel passado pelo registo civil etiquetando-me com mimosos rótulos de cabra para cima e perorando sobre a falta de respeito no roubo da propriedade privada de empresas assim constituídas e da ansiedade das desconfianças crescentes pela presença de outro perfume feminino nas roupas, de chamadas cujas respostas pareciam codificadas e do chuto para canto dos olhos dele sempre que repetia não se passa nada.

Sosseguei-a que vinha devolver o material com todas as peças, mais gastas mas ainda assim intactas que nem um pintelhinho guardara para recordação, apenas com o firme propósito de ser com ambas mais honesta do que ele e assim manifestar que é possível a solidariedade feminina.

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