O homem, baixo, feio, hirsuto e ligeiramente manco, aproximou-se com um deslocado sorriso radioso por baixo de um bigode mal amanhado e perguntou gentilmente:
– Boa noite. A menina desculpe, está a trabalhar?
A “menina” que o vira aproximar-se num crescendo de pânico e repulsa foi surpreendida pelo sorriso, pela gentileza e pelo timbre da voz do homem que, no entanto, não superaram a primeira impressão de horror e nojo que se instalara e que a dominava em cada olhar de esguelha que lançava ao homem.
– Sim, estou – respondeu a “menina”, com um sorriso plástico sem expressão.
Os olhos do homem brilharam de contentamento e, num gesto nervoso, rápido e quase imperceptível, levou a mão direita ao bolso das calças onde guardava a carteira, tocou no bolso, sentiu o volume da carteira e perguntou:
– E está livre?
– Eu não sou nenhum táxi – resmungou a mulher, liquidando o ar de menina com que se apresentava.
– Desculpe – pediu o homem. – Eu... Eu não...
– Estava a brincar – interrompeu ela, fazendo um esforço por dar verosimilhança à frase e ao riso com que a dissera. – Não ligue!
O homem voltou a sorrir, abanou a cabeça como se tivesse achado graça e, por fim, quando ela parou de rir, insistiu na pergunta com um ligeiro movimento da cabeça e um simples – E?
– Ah, sim. Estou. Estou livre – respondeu a mulher, com um sorriso nos lábios e angústia no olhar.
O homem alisou o bigode, encolheu os ombros e lançou brandamente:
– Está livre mas não está livre de preconceitos – e sorriu sem mostrar os dentes. A mulher cruzou pela primeira vez o olhar com o dele e não respondeu. Ele concluiu: – Obrigado, de qualquer forma.
– Obrigado?! Obrigado, porquê?
– Por ser transparente. – O homem tornou a tocar na carteira e despediu-se com um – Boa noite e bom trabalho – sem ironia.
– Obrigado – aceitou a mulher, aliviada por vê-lo de costas e a afastar-se. – E melhor sorte numa próxima vida – murmurou sem ironia.
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