As coisas não corriam bem. Aliás, se quiser ser mais preciso e correcto, tenho de dizer que as coisas entre eles corriam mal. Quase todas as coisas que os envolvessem a ambos enquanto casal corriam quase sempre mal, ainda que, a cada um individualmente as coisas até corressem bem; mesmo as que ao casal corriam mal. Era estranho e eles sabiam isso. Naquele momento, nem eles, nem ninguém, percebia a insistência no casamento. Eu, pelo menos, não percebia mas eu sou um mero narrador – a história não é minha e as minhas opiniões não são importantes. Tudo era mau e as conversas entre ambos nunca chegavam ao fim.
– Mas houve um momento em que fomos felizes – declarou o marido.
– Foi?! – espantou-se a mulher.
– Foi – confirmou o marido, deixando a cabeça pender ligeiramente e mantendo esse movimento mais do que o necessário.
– Os dois ao mesmo tempo? – perguntou a mulher, depois de desesperar pela imobilização da cabeça dele.
– Sim – respondeu ele, convicto.
– Houve um momento em que fomos os dois felizes ao mesmo tempo?! – insistiu ela, arqueando as sobrancelhas.
– Houve – respondeu ele, seguro.
– Quando?
O homem olhou para a mulher e ela devolveu-lhe o olhar. Ele fez uma careta enquanto erguia e baixava os ombros. Ela sorriu só com a boca e gracejou, ácida:
– Bem me parecia.
O homem baixou a cabeça.
– Mas houve – retomou o marido depois de um longo silêncio. – E não foi um momento…
– Foi uma época – gracejou ela.
Ele olhou-a fixamente semi-cerrando as pálpebras e mordendo o lábio inferior.
– Estás a gozar – disse o homem em tom pausado, com ar até um pouco melancólico – mas foi mesmo uma época.
– Uma longa época de verão – troçou a mulher, com o sorriso fino de displicente superioridade que o irritava.
E ele enterrava-se mais no sofá, cerrava os punhos que arrumava debaixo dos sovacos num movimento infantil e voltava-se para a televisão, com ar compenetrado como se fosse ver alguma coisa, a ruminar recriminações, até que, ao fim de um bocado, normalmente sentenciava:
– É sempre a mesma coisa. É impossível falar contigo – e seguia disparado em passo trôpego mas decidido para a sala de refeições do lar. – Velha de merda!
Ah!... Mas havia dias que era ao contrário e era ela que perdia e saía de supetão, ainda que devagar que o andarilho não lhe permitia grandes velocidades.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Uma por dia tira a azia