Quando há uns anos atrás descobri o Shunga fiquei fascinada. Por essa altura andava eu a recolher imagens de desenhos e pinturas eróticas, sobretudo anteriores ao século XX, com o intuito de fazer um estudo a respeito da representação de conteúdos sexuais e da relação com a sexualidade no dito “Ocidente Civilizado”. Logo me surpreenderam as primeiras imagens de Shunga que encontrei: era qualquer coisa de inteiramente novo. Completamente diferente de tudo o que já tinha visto…
O Shunga, em japonês, “imagem da Primavera”, é uma forma de arte erótica ou, se quisermos, de pornografia, muito difundida no Japão entre os séculos XVII a XX. Supõe-se que tenha tido início no século XI, mas só com a invenção da xilografia alcançou o seu pleno desenvolvimento, na generalidade de forma clandestina, para mais tarde se extinguir com a invenção e difusão da fotografia. Continuo a ler sobre isto, e em busca de artigos que versem a perspectiva que mais me interessa: a dos conteúdos sexuais propriamente.
Pelo menos até ao final do século XIX, o Shunga é “amoral”. Apenas uma forma de arte onde se reúne a estética e a educação sexual num tom de alegria pelo prazer da união dos sexos. Os órgãos sexuais são representados com intenção expressiva e a uma escala desproporcionada, o que, curiosamente, em nada perturba a delicadeza e naturalidade predominantes nas cenas. Mas o que mais me impressionou nestas imagens por relação às da nossa cultura, foi a equidade da preocupação com o prazer sexual do homem e da mulher e a representação de um claro envolvimento emocional do casal, algo que ainda hoje raramente encontro no Ocidente. Porta sim, porta sim, surgem massagens ao ponto G, por vezes detalhadas, e é frequente encontrar-se um homem a foder uma mulher enquanto lhe massaja o clitóris. Na cópula parece um pouco indiferente que seja o homem ou a mulher a estar em cima ou em baixo, quando não, estão de lado ou em posições exóticas, mas as caras voltam-se com frequência uma para a outra, trocando beijos, olhares, expressões… Um aspecto curioso é que no Shunga ainda não encontrei mamadas. Não estou a dizer que não existam… mas a existirem hão-de ser um fenómeno muito raro. Mais frequentes, ainda que não abundantes, são os minetes. Como é evidente, eu não tenho nada contra as mamadas (muito pelo contrário), mas o que é interessante aqui, é o facto de, quaisquer que sejam os conteúdos sexuais, não se transmitir uma ideia de instrumentalização da mulher ou de bestialização do sexo. Algo que ainda hoje é um lugar-comum na nossa cultura: a mulher servida a frio como objecto de prazer num sexo de essência animalesca que amiúde não aparenta ser mais que um embrulho de “carnes” destituídas de “alma” aos tombos pelas valetas da indiferença, da usura, da violência, e da perversidade extrema. Consequência, por certo, de uma mentalidade muito perturbada pela “moralização do sexo”…
… tenho-me perguntado que impacto efectivo na vida sexual dos japoneses terá tido a invenção da fotografia e a globalização da pornografia… por curiosidade, quando tiver tempo tentarei obter uma resposta…
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