António
Bicho abriu a carcaça e fez uma careta à cor do fiambre. Cheirou-o sem obter
resultados conclusivos e decidiu arriscar. Estava com fome. Comeu. “Se me doer
a barriga, pelo menos já sei do que é”, pensou entre a primeira e a segunda
dentada na sandes. Gostava de sentir o fiambre mais fresco que o pão mas nem
nisso teve sorte pois estava tudo à mesma temperatura. Sacudiu as migalhas da
barriga e bebeu o resto da mini, também ela quente. Limpou a boca com as costas
da mão, guardou a garrafa para deitar no vidrão e inverteu o sentido ao
fecho da pequena sacola onde trazia a bucha, fechando-a. Resmungou entre
dentes, “Que calor de merda”, enquanto sorria com ar encantador para a mulher
que lhe acenava do carro para a portaria, reclamando para sair. “Comia-te
toda!”, disse, sem mexer os lábios que arrepanhara mostrando os dentes
cerrados numa espécie de sorriso psicótico. Fez a cancela subir e gritou, “Até
amanhã, senhora engenheira!”, com o
mesmo olhar fixo com que antes sorrira como um alucinado. A engenheira
acenou-lhe e seguiu. Ele descolou a nádega direita da cadeira com um ligeiro
movimento libertador e, satisfeito, espalhou um novo e mais acentuado aroma no seu
local de trabalho. “No outro lado é a hora do sapo”, disse como se falasse com
alguém. “Aqui é a hora do Bicho. António Bicho.” E tornou a torcer-se na
cadeira.