27 julho 2012

15:30

António Bicho abriu a carcaça e fez uma careta à cor do fiambre. Cheirou-o sem obter resultados conclusivos e decidiu arriscar. Estava com fome. Comeu. “Se me doer a barriga, pelo menos já sei do que é”, pensou entre a primeira e a segunda dentada na sandes. Gostava de sentir o fiambre mais fresco que o pão mas nem nisso teve sorte pois estava tudo à mesma temperatura. Sacudiu as migalhas da barriga e bebeu o resto da mini, também ela quente. Limpou a boca com as costas da mão, guardou a garrafa para deitar no vidrão e inverteu o sentido ao fecho da pequena sacola onde trazia a bucha, fechando-a. Resmungou entre dentes, “Que calor de merda”, enquanto sorria com ar encantador para a mulher que lhe acenava do carro para a portaria, reclamando para sair. “Comia-te toda!”, disse, sem mexer os lábios que arrepanhara mostrando os dentes cerrados numa espécie de sorriso psicótico. Fez a cancela subir e gritou, “Até amanhã, senhora engenheira!”, com o mesmo olhar fixo com que antes sorrira como um alucinado. A engenheira acenou-lhe e seguiu. Ele descolou a nádega direita da cadeira com um ligeiro movimento libertador e, satisfeito, espalhou um novo e mais acentuado aroma no seu local de trabalho. “No outro lado é a hora do sapo”, disse como se falasse com alguém. “Aqui é a hora do Bicho. António Bicho.” E tornou a torcer-se na cadeira.