Depois de jantar, e já com a louça lavada e um uísque bebido, saía de casa e caminhava sempre em direcção ao mesmo bar onde, se fosse possível, ocupava o mesmo lugar ao balcão e bebia todas as noites também o mesmo. Um café Delta e dois ou três uísques Bushmills. Às vezes aparecia um conhecido qualquer e acaba a conversar sobre uma trivialidade qualquer, outras vezes não aparecia ninguém e trocava apenas algumas ideias com o empregado.
Esta rotina teve em mim o óptimo efeito de fazer com que as minhas noites deixassem de ser más. Numa dessas noites, em que ninguém apareceu para conversar e o empregado andava demasiado ocupado para me aturar, apercebi-me que todavia nenhuma era muito boa. Eram, todas elas, noites mais ou menos.
Lembro-me perfeitamente do dia seguinte. Cozinhei uma quantidade generosa de Ameijoas à Bolhão Pato que comi com bastante pão de mistura, acompanhado por uma toalha nova amarela comprada numa promoção qualquer, e uma garrafa de Quinta da Bica que tinha escolhido por ser da região do Dão. Tudo ao som da Cesária Évora. Lavei a louça, bebi um uísque e saí de casa. Foi logo no primeiro cruzamento que decidi virar, pela primeira vez nessa fase da minha vida, à direita e seguir caminhando sem destino óbvio. Não sabia se ia ter uma noite boa ou má, mas o principal objectivo era que não fosse mais ou menos.
Já nos subúrbios da cidade, dissimulado pela fraca luz de alguns candeeiros público intermitentes, percebi que alguém empurrava um carro rouco e fui ajudar. O automóvel acabou por pegar, depois do motor soluçar duas ou três vezes, e o condutor desapareceu engolido pela noite enquanto agradecia com um braço fora da janela. Fiquei eu, ela e um vento fraco, sozinhos numa rua deserta. Nenhum reagiu prontamente àquele encontro inesperado, nem para se despedir, nem para se apresentar. Passou a ser óbvio que nenhum de nós tinha para onde ir e não queria ser o primeiro a admiti-lo.
- Ando à procura dum sítio para beber qualquer coisa. Há aqui algum bar perto? - perguntei.
Só a vi bem quando entrámos num café vazio, onde o dono via os resumos dos jogos de futebol e demorou uma meia hora para nos vir perguntar o que queríamos. Era, à vontade, uns vinte e tal anos mais velha do que eu, cujo semblante triste se deixava rasgar de vez em quando por sorrisos contidos. Contou-me que em nova tinha sido actriz de teatro e que, antes do 25 de Abril, tinha mostrado as mamas em palco. Não percebi se o dizia com vergonha ou com orgulho, mas percebi que tinha pagado um preço muito alto por tal atrevimento. A família tinha-a expulsado de casa deixando-a, ainda nova, entregue a si mesma.
Comparado com a vida dela, o meu divórcio recente ganhava uma dimensão bastante reduzida e tentei não me mostrar muito triste quando lhe expliquei porque é que andava ali perdido.
- Separei-me há pouco tempo. - expliquei-lhe - Ando a tentar ganhar novas rotinas de vida e hoje, não sei porquê, vim aqui parar.
- Tenho uma má e uma boa notícia para ti. - sorriu ela mais tempo do que em qualquer sorriso anterior.
- Diz...
- A má notícia é que te divorciaste e nunca mais vais poder viver a vida como fazias até agora. Não é possível porque a tua principal companheira já não está contigo.
- E a boa notícia, qual é?
- A boa é que estás divorciado, por isso podes viver as coisas como te apetecer.
Por um momento percebi as minhas receitas novas todos os dias, as minhas toalhas lavadas de novo, as minhas garrafas de vinho escolhidas a dedo e as minhas idas sempre ao mesmo bar para beber uísque. Percebi até porque é que tinha mudado de direcção e ido para um café rasca falar com uma mulher que nunca tinha visto antes. Nessa noite mudei.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»