17 dezembro 2013

A FODA COMO ELA É (VI) - A Aldeia dos Tarados


Um conhecimento alemão convidou-me certa vez a visitar e ver com os meus olhos uma comunidade fetichista, que é o nome fino e estrangeiro para "tarado assumido", porque os outros somos todos nós. Acedi, sempre curioso do género humano, e guiaram-me vendado até ao local onde se encontrava tão peculiar aldeia, cuja provável localização e arquitectura me absterei de comentar. Eis alguns excertos do meu diário, exprimindo impressões que recolhi durante o passeio.

«Fui recebido pelo burgomestre, indivíduo de meia idade, que se apresentou completamente nu, com um sapo pendendo-lhe da pila, cuja glande abocanhava. Sei pouco de alemão, idioma que visceralmente detesto, com a licença de Goethe, Hölderlin e Mozart, tendo-me servido de tradutora a minha amiga alemã. Soube que o burgmeister se chamava Theotonius e que o seu maior prazer na vida consistia em retirar prazer sensual de batráquios, causa primeva da sua subtracção à sociedade e consequente internamento naquela comunidade. Poucos viviam ali sem que semelhante antecedente os houvesse empurrado. Conduziram-me então pelas ruas da aldeia.»

(...)

«Mostraram-me a vacaria, fonte de leite para toda a aldeia e de espasmos para um tipo específico de tarado, que se recreava chupando as tetas das malhadas em plena masturbação. Vários daqueles estranhos punheteiros actuavam na ampla nave, entre mugidos e góticas exclamações de júbilo sexual. Faziam também grandes provisões de iogurte. Quando me ofereceram um copo de leite, recusei com a desculpa de não tolerar a lactose.»

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«Seguimos para a horta comunitária, onde apenas encontrei mulheres trabalhando. Colossais matronas, de queixos quadrados, braços e pernas peludas, despidas da cintura para baixo, afadigavam-se entre as hortaliças. Fizeram-me saber que toda a cultura se compunha de vegetais oblongos, já que a sua inclinação libidinosa se traduzia na inserção vaginal e anal de leguminosas. Uma das amazonas do sacho garantiu-me ter experimentado no passado relacionar-se com bananas, mas que não dera resultado, já que lhe pesara na consciência a traição que infligia às suas adoradas courgettes. Outra, mais velha e calejada, fez desaparecer diante de mim um pepino inteiro na sua cona, para o retirar de seguida perfeitamente descascado e isento de sementes. Fiquei assombrado e muito agradado com tão requintado espectáculo.»

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«Inseriram-me numa sala despida de móveis, fortemente iluminada pela poalha áurea daquele fim de tarde estival, que entrava em grossas faixas pelas janelas de sacada dispostas ao longo de uma das paredes. Pensava no que significaria aquilo, quando entrou por uma porta na extremidade oposta da divisão a encarnação própria da beleza e do casto amor. A fluidez com que os cachos de cabelos loiros lhe desciam até aos seios, omitindo os delicados ombros, parecia suavizar a força da gravidade, na sua carícia descendente. Na alva face, de contorno ligeiramente ovalado, pontificava um par de esmeraldas tranquilas, sem chegarem a raiar a dolência; olhos que professavam a inocência de quem nada vira e se oferecia ao mundo com a relutância dos ingénuos. A boca cor de romã, pequenina, lábio inferior mordido a um canto - digna de um querubim. A  sua estatura média vestia-se com uma túnica de linho branca, insinuando-se um colo arrebitado e de pequenas dimensões. Tinha os pés descalços. Numa palavra: um anjo.
Veio na minha direcção, deslizando, atravessando os mantos doirados que as janelas estendiam à sua passagem e parou tão perto de mim que podia sentir o seu hálito de amoras silvestres. Então, com toda a singeleza e num Português abrasileirado, perguntou-me:

- Posso fazer cócó na tua boca?»

(...)

«Assim que os vi juntos, foram três as observações que de imediato fiz: a suavidade dos gestos dela, os hematomas que decoravam a cara dele e a expressão apaixonada de ambos. A sua relação remontava ao tempo em que trabalhavam como engenheiros numa conhecida empresa de programas informáticos. Desde o princípio, assentaram o cerne do prazer para cada um: ela gostava de arrear, ele de apanhar. Mas o rapaz, sentira que algo faltava e impedia a plenitude do seu gozo. A procura de respostas ao seu problema levara-o a trair a amada, recebendo porrada fora do domicílio conjugal. Insultara cabeças-rapadas, atirara-se para dentro de lavagens automáticas, sem que nada preenchesse o seu vazio. Até que, um dia, passara em frente de um stand da John Deere e soubera onde estava a sua felicidade. Vivem em constante lua-de-mel, desde que Helga aplicadamente espanca Ludovico com sortidas alfaias agrícolas.»

(...)

«Despedi-me do burgomestre Theotonius, que agora trazia uma salamandra na ponta da gaita, imerso em profundíssimas reflexões sobre a humana condição. Que prazeres, que variedades da felicidade sensorial enchem o mundo privado com a treva do medo, imposta pela tirania da convenção, fazendo do Homem uma besta insatisfeita, perigosa e sanguinária? Estava nestas, quando me vendaram de regresso a Leipzig, onde me esperava um espectáculo de variedades com anões hermafroditas da Abecásia.»