Pode parecer estranho, a quem actualmente passa pela Redcross Way, encontrar um portão transformado num memorial à frente de um estaleiro do metropolitano de Londres mas a verdade é que até ao século XIX, este era o local onde os proscritos de Londres eram enterrados, no espírito de uma tradição que se iniciou em plena Idade Média.
Desde cedo, todas as actividades que não eram permitidas dentro das muralhas de Londres desenrolavam-se livremente na margem Sul do Tamisa. Entre tabernas, teatros e cervejarias, encontravam-se por aqui os "Gansos de Winchester", nome pelo qual eram popularmente conhecidas as prostitutas desta zona, que se encontrava sob jurisdição directa do bispo de Winchester. Sempre que alguém contraía uma doença venérea, dizia-se que tinha pele de galinha ("goosebumps") ou ainda que tinha sido mordido por um ganso de Winchester ("bitten by a Winchester goose").
Embora em vida estas mulheres gozassem de alguma protecção por parte das autoridades, quando morriam a coisa mudava de figura. Fosse de causas naturais ou doença (a sífilis era uma causa frequente de morte) o seu enterro em solo consagrado era proibido devido à sua vida considerada pecaminosa. Por esse motivo, as prostitutas começaram a ser enterradas num terreno não consagrado que se viria a tornar o cemitério de Cross Bones. Em 1598 o historiador John Stow escreveu:
"Ouvi da parte de homens idosos de bons créditos, relatos de que a estas mulheres solteiras eram negados os rituais da igreja, desde que continuassem a sua vida pecaminosa, e eram excluídas dos funerais cristãos se não se reconciliassem antes da sua morte. Por isso, havia um lote de terreno chamado adro das mulheres solteiras destinado a elas, longe da igreja paroquial."
Embora o seu estilo de vida fosse pecaminoso, a Igreja acabava por tolerá-las já que contribuíam para que os bons cristãos evitassem práticas ainda mais imorais como a masturbação e a sodomia. Para além disso eram também uma fonte de rendimento já que os bordéis pagavam imposto ao próprio bispo de Winchester.
Com a proibição da prostituição, já no século XVII, o local foi transformado num cemitério para indigentes até ao seu definitivo encerramento em 1853, passando ao esquecimento.
A sua memória foi recuperada quando, já no século XX, as obras de extensão do metropolitano de Londres permitiram recuperar ossadas de 148 indivíduos diferentes, um deles uma mulher que teria entre 16 e 19 anos e cujo crânio denotava os terríveis efeitos da sífilis. Para preservar a memória dos infelizes que aqui foram enterrados, estima-se que cerca de 15.000, especialmente essas malogradas mulheres, a população local transformou o portão num memorial diante do qual, no dia 23 de cada mês, é realizada uma vigília em memória dos Gansos de Winchester.